No coração
Não tem nada a ver com a crise, nem com a Troika – mas calha que o meu filho decidiu ir estudar para fora de Portugal, e os pais acharam que não era má ideia, e lá se entenderam para concretizar o sonho dele. Parte esta sexta-feira, e é para bem longe.
Não quero explorar aqui o lado íntimo deste momento familiar, ainda que em unidades mono-parentais. Mas não resisto a partilhar esta constatação:
Por causa desta mudança, temos – pai e mãe – tratado de uma série de pró-formas e burocracias que exigem explicar a terceiros que o filho vai para fora. Pode ser uma enfermeira do dermatologista ou o barbeiro da esquina, o notário que reconhece assinaturas ou os amigos que têm um familiar no país para onde ele vai, a médica dentista ou familiares mais ou menos próximos.
Além da palavra mais usada ser “coragem”, o que sinto em quase todas as conversas é aquilo a que o dermatologista chamou de “pequena inveja boa”. Uma forma de dizer “se eu pudesse, também ia daqui para fora”. Já me disseram “E que não volte, que isto aqui não vale nada...”, “Devia era ir com ele também”, “Se eu tivesse a idade dele, fazia o mesmo”, “Quanto mais longe disto, melhor”. E algumas frases ainda mais abrasivas...
Os portugueses amam Portugal e não perdoam a quem diz mal do seu país. Mas é como nas famílias: eu posso dizer mal dela, ai de quem, de fora dela, diga mal. Sendo assim, ou ainda assim, noto pela primeira vez, em 47 anos de vida, um desalento, um sentido depressivo, um ambiente de tristeza, mais fundo, mais sério, mais desanimado e desanimador.
Não me lembro de ter vivido num país tão triste.
Calhou-me esta coincidência. Mas parece-me que a crise, a tal crise de que se fala, está chegar ao lugar onde, uma vez instalada, será fatal: ao coração de Portugal, que é o coração dos portugueses.