“Gourmet”, ou uma palavra gasta e falida
As palavras gastam-se. Muitas vezes cansam-nos. Na maioria dos casos, cansam-se delas próprias e gastam-se por manifesto abuso injustificado. Não é por nada, ou talvez seja, mas cheira-me que a palavra “gourmet” chegou a esse estado danado de cansaço e falência generalizada.
Tudo é gourmet, como noutros tempos tudo foi light, ou económico, ou familiar. E quando tudo é gourmet é como quando a esmola é grande: o pobre desconfia.
Desconfiado, decidi experimentar o ultimo “gourmet” do fast-food: “O Prego Gourmet”, ali no Campo Pequeno. Estava a dar os primeiros passos e desculpava-se alguma atrapalhação no serviço. O que não se desculpa é a tal palavrinha “gourmet” aplicada a um pão sem classe – aliás, sem nada, sem história, nem quente para disfarçar, nem carcaça clássica nem pão rústico nem coisa nenhuma – no meio do qual se meteu um bife grelhado pequeno e fino, a que chamam “lombo” (só se for lombo da avó da vaca, porque era rijo como os bifes que não são do lombo...), excessivamente passado (apesar de ter pedido médio), e um molho que imita mal os piores molhos da vizinhança cervejeira. Para rematar, dá cá 6,95 euros, o que no “Ritual Português Aperfeiçoado” que a casa promete daria, só para quem é do meu tempo, um conto e quatrocentos...
Chamam-lhe então “prego clássico” e dizem que é gourmet. É como escrevia no começo: há palavras que, de usadas e abusadas, de mal gastas por quem não as honra, abrem falência e levam tudo atrás. Querem um bom motivo para ter um pé atrás sempre que abre um novo restaurante, quiosque ou, como também se usa agora, “conceito”? É chamarem-lhe “gourmet”. Já está.