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Pedro Rolo Duarte

12
Fev08

(ainda mais) Rasca

Então fui com o meu filho ver a estreia lisboeta do musical “Peter Pan”. O espectáculo é sofrível - eu diria que é medíocre (à vista de qualquer musical com qualidade, como aqueles que o TIL produz) -, mas digo sofrível porque o António Maria gostou medianamente, e quando se trata de espectáculos dirigidos aos infantis, ou mesmo aos juvenis, acho que “eles é que sabem”. Mesmo.
Por isso ficamos assim: sofrível.

Calhou-nos, no entanto, esta infelicidade: ficámos sentados na fila seguinte a um grupo de jovens que devem ser actores ou candidatos a actores. Eram amigos do próprio “Peter Pan”, pois gritaram desalmadamente pelo protagonista no fim do espectáculo. Um dos miúdos, o “Nuno”, fartou-se da dar autógrafos, e o meu filho acha que ele deve ser da nova série dos “Morangos com Açúcar”. Da TV, com toda a certeza. Mas sem mais certezas.

De todo o modo, eram jovens de, não sei, 18, 20, 23 anos, que assumiam a postura de quem pertence “ao meio”, conheciam muita gente, e foram alvo de fotografias, autógrafos e olhares.

Como disse, ficámos à frente deles. E não ficámos bem. Aquele grupo sentou-se na plateia do Tivoli como se estivesse no café: falando alto, rindo, disparatando, sem a mais pequena dose de respeito pelos presumíveis amigos actores, e desprezando descaradamente a plateia. Elas falavam tão alto que eu percebi que uma curou a tristeza de ver uma amiga perder o namorado fumando “um charro” e sugeriu à vítima que fizesse o mesmo. Ouvi outra falar em “bezanas” e “mocas”. Isto, obviamente, enquanto no palco o elenco se esmifrava. O tal Nuno fazia as delícias das meninas imitando, a gozar, o protagonista do musical. Elas davam gritos quando eles apareciam, e eram capazes de fazer humor com os deslizes de qualquer das jovens actrizes, ridicularizando-as a um ponto que, presumo, nem nos tempos áureos do Parque Mayer se deveria assistir entre “artistas de primeira” e de “segunda”...

Um quadro de miséria, foi isso.

Quando o martírio acabou, eu olhei fixamente nos olhos deles, disse alto “deixa-me lá ver a cara destes rapazes a quem não ensinaram maneiras” – mas eles começaram a mexer nos telemóveis e a compor os decotes e as calças (ainda...) descaídas. Nas tintas. Ouvi uma dizer: “espero que agora haja comida, estou cheia de fome...”. À espera do croquete, portanto.

Voltei para casa incomodado. Não propriamente por ter visto um grupo de adolescentes mal comportados num teatro – mas por ver naquele grupo uma projecção da geração que se segue. Pior do que a anterior. Menos educada. Mais arrogante.

Vi naquela plateia do Tivoli uma versão diabolizada das histórias que ouvi os meus pais contarem sobre as vedetas do teatro de revista em Portugal nos anos 60 e 70, e das histórias a que assisti nos anos 80 e 90. Teme-se o pior? Teme-se o pior.

Porque o erro se repete: ninguém avisa aquela miudagem que em breve vão estar outros rapazes e raparigas, noutras plateias, a rirem-se deles. E eles a envelhecerem tristemente no palco, ou ainda mais tristemente na solidão das suas vidas anónimas. Ou seja, ninguém lhes diz que a vida continua. E caminha sempre para o mesmo lado.

(Mais rasca, Vicente, mais rasca. Tinha razão, Vicente.)

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