Eu, Scarlett e Woody
(Crónica originalmente publicada na revista Lux Woman)
Tenho um amigo que passa a vida a contar a história que prova que sou hipocondríaco: certo dia viu-me entrar numa Farmácia e perguntar “o que é que há de novo?”, como se os medicamentos fossem amaciadores de cabelo. O episódio é verdadeiro e o meu amigo é bem-intencionado, achando que há relação entre a hipocondria e a pergunta. Mas não há: o que ele conta não foi mais do que uma palhaçada minha, aproveitando a fama para usufruir do proveito. Uma brincadeira que me ficou para a vida...
Não, eu não costumo perguntar o que há de novo nas farmácias, a não ser quando compro “Ultra Levure”, “Kompensan” ou “Brufen”, porque tenho a natural tentação de querer saber se porventura há avanços farmacológicos nos domínios dos medicamentos que tomo, quando deles preciso, desde que nasci. Se tudo evolui, por que raio ainda existe o “Ultra Levure”?
Mas, dito isto, confesso: sou hipocondríaco. Tenho os sintomas das doenças que terceiros me descrevem, sinto-me mal quando estou próximo de quem está mal, e há dias fiquei de cama depois de visitar um amigo no hospital. Ele, o meu amigo, não sabe de nada, mas a verdade é que comecei a sentir-me doente quando estacionei o carro no parque do Hospital, piorei no piso zero, e já transpirava quando entrei no seu quarto, no quinto andar. Aguentei a visita estoicamente, sem sinais exteriores da minha pobreza, mas nesse dia, à noite, a coisa correu pessimamente: abandonei um jantar a meio, indisposto, e só melhorei com um calmante e muita água das pedras.
Sucede que sou um estudioso amador da mente humana e gosto de dominar os temas. Não foi difícil perceber que o problema daquela visita ao Hospital tinha sido a descontracção com que parti para a visita. Isto é: se já sabia da minha condição e tenho tendência a reagir de forma reflexa, a solução para o problema seria ter equacionado a visita antes dela ocorrer. Foi o que fiz uns dias depois: voltei a visitar o amigo no hospital e senti-me bem, porque controlei previamente os danos que podiam chegar.
(Segue-se um parágrafo não aconselhado a menores de 18 anos)
Até porque a minha hipocondria é esquisita: tenho medo de ir ao médico e saber “a verdade” e prefiro a terrível praga do autodiagnóstico (estupidamente potenciada pela internet!), que constrói quadros demoníacos sobre gripes e transforma um espirro num ataque de epilepsia. Se puder, escolho a minha medicação. A dois anos dos cinquenta, este quadro de miséria começa a constituir, efectivamente, uma preocupação. Gostava de ser diferente – mas receio que já vá tarde.
Pensava na solução para o problema, depois de uns dias novamente entregue a uma constipação que travesti de pneumonia, quando vi a luz. Foi na imprensa, por estranho que vos possa parecer. E foi só isto: li numa revista credível que a palavrinha mágica que juntou Scarlett Johansson e Woody Allen foi... hipocondríacos. Os dois: "A razão que faz com que eu e o Woody sejamos amigos é porque já lhe diagnostiquei uma data de doenças. Já lhe dei medicamentos que depois ele pediu ao médico para lhe receitar", disse a actriz. Eu li.
Há melhor para um hipocondríaco do que o remoto cenário, porém possível, da minha paranóia me aproximar de uma Scarlett Johansson? Até mesmo de um Woody Allen? Por hoje é tudo. Sinto-me um homem novo e podem dizer o que quiserem. Vou andar na rua atento a quem se cruza comigo. Hipocondríaco, mas vão ver: muitíssimo bem acompanhado. Ainda vão ouvir falar de mim.