Microondas, máquinas de roupa, e a vida moderna
(Crónica originalmente publicada na revista Lux Woman. Edição novinha em folha já por aí nas bancas...)
O meu iPod tem 7 anos. É dos mais antigos, dos gordinhos, que tem a roda com quatro símbolos, um botão no meio, e funciona na maravilhosa simplicidade que conta com a nossa intuição, e vive dela. É ainda um objecto mágico, mesmo passados tantos anos, mesmo pesando umas centenas de gramas e não tendo ecrã táctil. Não vivo sem aquela coisa.
Além de o usar, penso nele de cada vez que sou obrigado a utilizar duas outras máquinas modernas: a de lavar roupa, e o microondas. Parece-vos estranha a associação? A mim também. Mas não consigo encontrar outra forma de abordar a aberração que constitui o painel de instrumentos destes dois comuns electrodomésticos.
Se eu fosse fabricante de máquinas de lavar roupa, ou de microondas, teria contratado um qualquer Steve Jobs da Apple com uma missão bem específica: entrar no departamento de engenharia lá da fábrica, despedir aquela gente toda, e desenhar um painel igual a um iPod. Ou seja: simples, e que se perceba. Intuitivo e tão inteligente que seja compreensível por qualquer burro como eu.
Custa-me aceitar que, no tempo do ecrã táctil e da escrita inteligente, tenha na cozinha um microondas com dez botões, um ecrã e uma roda, símbolos incompreensíveis – panelas a fumegar, frangos com pingos, triângulos e bolas com estrelas e asteriscos -, e passados cinco anos eu apenas consiga, naquela geringonça, aquecer sopa, leite, e carne assada. Da única vez que tentei descongelar um bocado de carne, ficou cozida e foi para o lixo.
Da mesma forma, não consigo compreender que a máquina de lavar roupa, que comprei já este ano – e escolhi a que tinha, em vez de números e símbolos, tudo escrito em português a descrever as funções... – continue a ser um mistério para a minha pobre mente. Na verdade, comprei a máquina com tudo escrito, mas não li o que lá estava. Só depois de instalada, sozinho em frente ao bicho, li as ”legendas” – turbo-perfect, eco, mixt, delicada... Percebi que há palavras e expressões que podem ser como bonecos com frangos e asteriscos. Ou seja, incompreensíveis. Não há um programa que diga “jeans” ou “t-shirts de dormir”, ou “camisas brancas normais”. Não, eu tenho de perceber o que pode querer dizer “sintéticos”, “centrifugado adicional”, ou mesmo “engomar fácil”.
“Engomar fácil”? Há roupa que se enfia na máquina e sai de lá disponível para ser facilmente engomada? Que roupa é essa? Onde se compra? E o “centrifugado adicional” destina-se a quê, em concreto? À roupa que nos irrita?
Há muito que penso neste paradoxo dos símbolos nos electrodomésticos por comparação com a simplificação no mundo da informática e da vida digital. Vejo que o abismo se acentua, e ninguém se preocupa. Sou só eu que quero saber descongelar carne no microondas e lavar camisas brancas na máquina?
Estava a pensar nisto, e calhou pensar alto. A minha (então) namorada ouviu-me, entrou na cozinha e disse: “Pedro, é muito simples: separas a roupa branca da roupa de cor, pões aqui o detergente, ali o amaciador, e usas só dois programas: o sensível, para a roupa de cor, e o que diz normal. O resto, esquece”.
Foi quando eu pensei: lá está, esta instrução é um iPod ou um iPhone na versão máquina de lavar de roupa. Tão simples. Já o microondas, bom, é mais complicado e não consegui o mesmo nível de pragmatismo. Mas tenho a certeza de que um engenheiro qualquer da Apple conseguia uma roda e um ecrã simples que transformasse aquele painel de hieróglifos numa coisa, como dizer? Acessível.
Afinal, eu só queria usar o que já tenho. Intuitivamente – como, no fundo, vivo a vida todos os dias.