Um marco e um retrato
Quando ontem comprei esta edição derradeira (em papel, bem entendido) da “Newsweek”, senti um arrepio na espinha. Não se trata do fim de uma revista – que dói, mas se pode compreender pelas leis naturais do mercado, que tem os seus pergaminhos próprios, como as leis naturais da vida... -, mas do fim da viabilidade de uma publicação na sua formatação original. Em papel.
Como se a “Newsweek” nos estivesse a dizer: um dia, todos serão como nós.
Como se a um velho de 80 anos – os que a revista iria fazer... – lhe dissessem: deixas de existir no formato humano, mas calma: vais sobreviver virtual e digitalmente.
Posso compreender o fim do papel na imprensa diária, pelo paradoxo e quase contrasenso que constitui, no tempo da Internet e da TV 24 horas por dia, tudo ao alcance de um telefone, haver um meio de informação que no momento em que é posto à venda tem já, pelo menos, 8 horas de desactualização.
Compreendo menos o fim do papel nas revistas, num objecto que é em si um prazer, que sobrevive ao passar dos dias, se disponibiliza na sala de estar por tempo indeterminado, que se guarda quando nos diz mais do que o óbvio. Uma revista é uma experiência que envolve sentidos como o tacto, o olfacto, a visão para lá de uma barreira chamada ecrã. Nesse sentido, admito que a decisão dos proprietários da Newsweek é um momento de desistência e o reconhecimento de um falhanço: não conseguiram ser suficientemente criativos, ousados, inovadores, ao ponto de justificarem a sua existência em papel, para lá do investimento no mundo digital.
Mas este momento crucial do jornalismo do século XXI é um fortíssimo sinal. Um aviso à navegação. E um pedido de socorro expandido: quem quiser permanecer à tona de água no universo das newsmagazines, e das revistas em geral, vai ter mesmo de puxar pela cabeça e saber reinventar-se. Não é um trabalho só de jornalistas – é de marketeiros, de publicitários, de criativos, de designers, de filósofos, de sociólogos, de gente comum, de gente quem nem imaginamos quem seja. Mas é um trabalho que está por fazer.
Vou seguir o percurso digital da Newsweek, mas não tenho duvidas de que esta capa, mais do que um marco na História da Imprensa – e é um marco, indiscutivelmente -, é também o retrato de um dos momentos menos criativos e vibrantes da imprensa. Logo na hora em que se lhe pedia exactamente o contrário.