Tendência é verbo
(Crónica originalmente publicada na revista Lux Woman. A deste mês, a festejar 12 anos de vida, já está aí nas bancas...)
A história de Paulo Sebastião (zinedepao.blogs.sapo.pt) podia figurar naquelas reportagens que a crise inspira e os jornais adoram: jovem informático de 27 anos tem oportunidade de trabalho em Estocolmo, deixa o seu país, e quando se confronta com a realidade sueca descobre que lhe faz muita falta o pão português. Decide então aprender a fazer pão – mas como é dedicado e rigoroso, vai aprender com os melhores, estuda, e torna-se um apaixonado da arte. De tal forma que todas as sextas-feiras à noite, enquanto os seus colegas vão afogar mágoas nos bares da capital sueca, o Paulo vai gratuitamente para a padaria do seu mentor aprender mais e mais sobre massas, leveduras, farinhas e cozeduras.
Cruzei-me com o Paulo porque também eu quis aprender a fazer pão. Ele passou por Lisboa há umas semanas e organizou umas sessões públicas. Paguei a minha inscrição e logo nesse momento pensei: há paixões que podem ser lucrativas...
Então lá estive uma tarde de volta do pão. Perceber as manhas da farinha quando se junta com a água, a diferença entre isco e fermento, o peso definitivo do tempo e da paciência na arte de conseguir um pão que se orgulhe desse nome. O problema do forno. E depois o momento health club da coisa: amassar, sovar, tender e por fim moldar pão. Não me saí nada mal. Mas é claro que o melhor foi ouvir o Paulo falar de pão como quem fala do amor da sua vida. Provavelmente, é. Mas ele só o descobriu quando lhe sentiu a falta...
Lá está: a crise, a falta, a distância, também são oportunidades. Ou mesmo “a” oportunidade. Estava ali uma dúzia de pessoas a aprender a fazer pão numa tarde de sábado – mas na verdade, estávamos a virar as costas à depressão, a ouvir a história do Paulo (que um dia vai mesmo deixar a informática para se dedicar só ao seu amor maior...), e com ele veio a história de uma amiga que deixou a profissão na cidade para recuperar a mó de pedra para os cereais que vão dar pão, e havia ainda a mercearia fina que nos acolhia e era também um projecto pessoal de paixão. Ou seja, havia inspiração para nos deixar o resto do fim-de-semana a pensar em alternativas - e essa era a melhor causa e o mais forte argumento.
É disso que se trata: alternativa. É a palavra-chave. A tendência. O foco. Descobrir o nicho que ainda não está ocupado, pensar em grande o mais pequeno negócio, usar os recursos que os tempos nos trouxeram ao serviço de ideias que se calhar foram dos nossos avós. Quem diz pão, diz biscoitos e doces e compotas. Quem diz pão, diz crochet e presentes e sacos de pano. Afinal, esta é a primeira crise que vivemos em que, simultaneamente, temos toda a informação, e a rede de contactos, ao alcance de um clique. Além da facilidade em transformar um prazer caseiro num negócio artesanal. Desta vez não temos desculpa para não dar um passo – sendo certo que esse passo tem o travo doce do prazer...
... Acreditem: ver um pão crescer no forno de casa, amassado e tendido e “desenhado” por nós, é comovente. Ver a família e os amigos cortarem-no e barrarem-lhe manteiga e doce, e sentir que resiste fresco mais do que as 12 horas do pão que compramos no supermercado, é voltar à terra onde apanhávamos morangos às escondidas e nos sabia à compota que havia de nascer mais tarde.
Voltar ao começo. Somos nós e as mãos e a imaginação – e o mundo à nossa espera. Eu não sou dos que abraçam árvores – mas acho que tendência é mais verbo do que outra coisa qualquer. É fazer. E ver crescer.