O jornalismo não acaba (nem por acaso, em dia de greve geral)
Quem acha que o jornalismo acabou mesmo, faça o obséquio de gastar 6,50 euros na edição especial da revista Veja dedicada, obviamente, às manifestações e ao levantamento popular que abalaram o o país nos últimos dias. Nas 30 páginas que a revista dedica ao tema, caem por terra os mitos, os boatos, as análises sem fundamento, os comentários ignorantes e as explicações tolas que ao longo dos dias fomos lendo, ouvindo, e vendo um pouco por todo o lado.
Com factos, dados, sondagens, reportagem, voz da rua, enquadramento, a Veja explica em pormenor o que está em causa, como nasceu, e qual a relevância que tem. Recupera a queda do Muro de Berlim – que começou com um piquenique e acabou com um dos mais poderosos blocos geopolíticos do século XX – para deixar claro até onde pode ir a vaga de fundo agora iniciada. E exibe a contradição mais poderosa deste momento: é com um Governo de esquerda, um Governo que em teoria comanda o povo e comanda a rua, que o povo toma conta de rua contra quem o governa.
No detalhe, o “especial” está cheio de ourivesaria jornalística, trabalho de artífice dedicado, edição apurada. Destaco apenas uma pequena genialidade. A primeira frase da reportagem diz assim: “Podem passar-se décadas sem que nada mude, mas numa semana podem concentrar-se décadas de mudança”. A ver pelo que se vive no Brasil, a frase é clara e exemplar, podia ser assinada pela revista ou qualquer sociólogo e comentador do momento. Porém, só no fim do texto se diz quem foi o seu autor: Lenine, nem mais nem menos…
Jorge Palma canta “enquanto houver estrada para andar, a gente vai continuar”. Pois bem: enquanto houver jornalismo assim, mesmo que distante do rectângulo, esta profissão vai continuar. Mais real nuns lados, mais sonhada noutros. Mas vai continuar.