09
Mar08
A luz de Anabela
Uma aldeia no interior alentejano, um coro feminino em vias de extinção, uma jovem doentiamente obesa – com estes três fios se pode começar e acabar um tapete rico, poderoso, e avassalador.
Que sorte eu tenho, poder dizer que é minha amiga a Anabela Saint-Maurice, autora do extraordinário documentário “A Luz dos Meus Dias”, que a RTP exibiu ontem à noite, por ocasião do Dia Internacional da Mulher.
O que a Anabela encontrou na aldeia de Santo Aleixo, e nas teias sociais, profissionais e pessoais que ali se tecem, foi um riquíssimo retrato da mulher portuguesa, das mulheres portuguesas, e por essa via uma imagem de Portugal (a que o futuro se encarregará de dar o valor histórico que merece). Não é uma boa imagem – mas é aquela que todos reconhecemos quando olhamos com olhos de ver o país onde vivemos.
Despida de moralismos, tomadas de posição ou perspectivas de futuro, a reportagem segue um caminho que Anabela tem trilhado com mestria e rigor: os testemunhos e as imagens falam praticamente por si, a intervenção da jornalista limita-se (limita-se? Não! Expande-se, e bem...) ao trabalho autoral, à escolha, à procura incessante do testemunho, do desabafo espontâneo, da palavra crua e certeira. Confronta-se uma certa ideia de urbanidade e ruralidade na pessoa da Presidente de Junta regressada de uma vida social intensa na Suíça, confronta-se a violência doméstica intrínseca e a outra, que se revolta ou reage (e exclama “comigo, nem pensar; mas havia muito, e calava-se”), confronta-se o passado de ignorância com um presente que não é afinal muito diferente, confronta-se a pobreza extrema do passado e a pobreza disfarçada do presente. Confronta-se um Portugal que se traveste de modernidade no marketing mas continua preso ao passado ancestral das relações hierárquicas de sempre: patrão e empregado, mais velho e mais novo, homem e mulher. O Portugal da escala e da escada, o Portugal que nos custa reconhecer e que tapamos com tapumes a que chamámos auto-estradas, “formação profissional”, “shopping center”, “escolaridade”.
É tudo isso que passa em “A Luz dos Meus Dias”. E a isso se acrescenta a sensibilidade da montagem, a respiração compassada das imagens do Alentejo, a cinematografia de momentos tão simples como o andar de um autocarro ou a mãe que vigia a filha espreitando pela ombreira da porta. E as pinceladas de um passado a preto e branco que acaba por explicar o presente e, lamentavelmente, adivinhar a ausência de futuro. Pode não ser um bom remate, mas é uma grande verdade...
Bom, que orgulho poder dizer que tudo isto, que elogio sinceramente, é obra da Anabela. Razões várias, e todas excelentes, fizeram-nos amigos para sempre, e comovi-me ao longo desta hora rica, poderosa e exemplar. Por ela e pelo seu talento, mas também pelo conteúdo e pelo que isso possa ter acrescentado a quem tenha seguido este momento de serviço público.
Que sorte eu tenho, poder dizer que é minha amiga a Anabela Saint-Maurice, autora do extraordinário documentário “A Luz dos Meus Dias”, que a RTP exibiu ontem à noite, por ocasião do Dia Internacional da Mulher.
O que a Anabela encontrou na aldeia de Santo Aleixo, e nas teias sociais, profissionais e pessoais que ali se tecem, foi um riquíssimo retrato da mulher portuguesa, das mulheres portuguesas, e por essa via uma imagem de Portugal (a que o futuro se encarregará de dar o valor histórico que merece). Não é uma boa imagem – mas é aquela que todos reconhecemos quando olhamos com olhos de ver o país onde vivemos.
Despida de moralismos, tomadas de posição ou perspectivas de futuro, a reportagem segue um caminho que Anabela tem trilhado com mestria e rigor: os testemunhos e as imagens falam praticamente por si, a intervenção da jornalista limita-se (limita-se? Não! Expande-se, e bem...) ao trabalho autoral, à escolha, à procura incessante do testemunho, do desabafo espontâneo, da palavra crua e certeira. Confronta-se uma certa ideia de urbanidade e ruralidade na pessoa da Presidente de Junta regressada de uma vida social intensa na Suíça, confronta-se a violência doméstica intrínseca e a outra, que se revolta ou reage (e exclama “comigo, nem pensar; mas havia muito, e calava-se”), confronta-se o passado de ignorância com um presente que não é afinal muito diferente, confronta-se a pobreza extrema do passado e a pobreza disfarçada do presente. Confronta-se um Portugal que se traveste de modernidade no marketing mas continua preso ao passado ancestral das relações hierárquicas de sempre: patrão e empregado, mais velho e mais novo, homem e mulher. O Portugal da escala e da escada, o Portugal que nos custa reconhecer e que tapamos com tapumes a que chamámos auto-estradas, “formação profissional”, “shopping center”, “escolaridade”.
É tudo isso que passa em “A Luz dos Meus Dias”. E a isso se acrescenta a sensibilidade da montagem, a respiração compassada das imagens do Alentejo, a cinematografia de momentos tão simples como o andar de um autocarro ou a mãe que vigia a filha espreitando pela ombreira da porta. E as pinceladas de um passado a preto e branco que acaba por explicar o presente e, lamentavelmente, adivinhar a ausência de futuro. Pode não ser um bom remate, mas é uma grande verdade...
Bom, que orgulho poder dizer que tudo isto, que elogio sinceramente, é obra da Anabela. Razões várias, e todas excelentes, fizeram-nos amigos para sempre, e comovi-me ao longo desta hora rica, poderosa e exemplar. Por ela e pelo seu talento, mas também pelo conteúdo e pelo que isso possa ter acrescentado a quem tenha seguido este momento de serviço público.