Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Pedro Rolo Duarte

22
Nov13

Todos os tios do mundo

(Crónica originalmente publicada na Lux Woman. A edição de Natal já está aí, à Vossa espera...)

 

Há 18 anos, quando o meu filho nasceu, colocou-se entre mim e a mãe dele uma questão de aparente irrelevância, entre tantas efectivamente relevantes, a que não dei excessiva atenção: seguir ou não o pressuposto de muitos amigos, e alguns familiares, de ensinar o António Maria a tratar por “tio/tia” todos os adultos amigos dos pais, independentemente do efectivo parentesto familiar. Sempre fui um pouco quadrado nessas questões mais básicas, e excessivamente liberal nas outras, pelo que a resposta foi simples: tios são os irmãos e irmãs dos pais, ponto final. Achava que essa forma de tratamento não passava de uma mania de novos-ricos a imitar ricos, e a ideia incomodava-me.

Assim, ficou estabelecida a regra, que perdura até aos dias de hoje: o rapaz trataria por tios os que efectivamente eram tios - e os outros, conforme a proximidade, pelo nome. Foi uma enorme estupidez da minha parte, confesso hoje sem qualquer receio. O tempo encarregou-se de me demonstrar que estava errado, e de me fazer arrepender amargamente dessa imposição baseada num pressuposto inútil: o de que as crianças distinguem os mais velhos pelos nomes próprios. Não, não apenas não distinguem como a tendência inata para a deseducação é de tal forma marcante que o tratamento dos adultos é mesmo o primeiro a sofrer violações sem nome: há quem trate um adulto por “você pode dar-me um copo de água?”, como há quem tente a elevação com um inoportuno “A senhora Paula pode dizer-me onde é a casa de banho?”. O pior é que o desconforto que os invade nesses momentos salta à vista e não tem escapatória.

Não há nada pior do que a infância e a adolescência em matéria de relações sociais. Sendo certo que se trata do tempo de todas as aprendizagens, é também o tempo de todas as asneiras, até mesmo com as pessoas que mais desejamos - as paixões, as namoradas, as candidatas. Miúdos e jovens unem-se nesse defeito: estão sempre ao lado. Parecem calhados para tratar de forma errada a pessoa certa – ou a pessoa que merecia o tratamento adequado. E talvez tenha sido por isso que alguém, no passado, inventou essa extraordinária designação do “tio” e da “tia”. É certo que podemos não chegar ao patamar dos espanhóis, que chamam “tio” e “tia” a qualquer pessoa cujo nome próprio não lhes ocorre, mas deixemos os exageros de lado…

A verdade é só uma: traduzindo, onomasticamente, irmão do pai ou da mãe, aplica-se bem aos amigos, aos desconhecidos que passam lá por casa, aos “outros” – que são todos os que não querem nem saber quem são. Sendo palavra de três letras, não causa engulhos nem equívocos. E permite aos miúdos a soltura de não ter de fixar nomes nem idades nem parentescos: é tio e tia a abrir, na sala e na cozinha, no pátio e no meio da rua.

Agora, que me abeiro dos 50, e começa a ser comum ser tratado por tio pelos filhos dos meus amigos, valorizo a ideia e lamento a minha atitude de há 20 anos. O meu filho não foi ensinado assim, e quando vem a Portugal não sabe como deve tratar os meus amigos. E eu, que nunca quis ser “tio” dos que não eram efectivamente meus sobrinhos, porque achava ridícula a ideia, tenho hoje imenso gosto, para não dizer orgulho, quando me chamam “tio”. Sinto que estou num patamar superior – condição e idade… - sem deixar de existir ou ser apenas um qualquer “você” ou “Senhor Pedro”.

Melhor: dá sentido à feliz expressão que a secretária mais profissional e competente que conheci me ensinou (obrigado, Carmo!). Era simples e faz sentido hoje mais do que nunca: “à vontade não é à-vontadinha…”

Comentar:

Mais

Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

Este blog tem comentários moderados.

Este blog optou por gravar os IPs de quem comenta os seus posts.

Blog da semana

Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.

Uma boa frase

Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Mais comentários e ideias

pedro.roloduarte@sapo.pt

Seguir

Arquivo

  1. 2017
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2016
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2015
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2014
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2013
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2012
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2011
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2010
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2009
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2008
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2007
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D