Uma bandeira nacional
(Texto escrito a convite do Nuno Rodrigues para integrar a edição especial que reúne toda a obra da Banda do Casaco. Já está à venda, e é um marco da edição musical de 2013. Talvez mesmo, o marco.)
Mudar de casa é talvez a maior dor de cabeça que um homem só – ou uma mulher, claro – pode ter depois dos 30 anos. Porque mudar é sempre algo abrasivo; porque ao longo dos anos vamos acumulando cada vez mais espólio (há quem lhe chame tralha…); porque de cada vez que mudamos temos de admitir escolhas, temos de nos reencontrar com o que queremos mas também, e muito, com o que não queremos, porque recordamos o passado que nos toca mas também o que nos dói. Uma maçada.
Nos últimos 15 anos, fiz seis mudanças de casa. Todas me cansaram e em todas jurei não voltar a mudar. Mas em todas houve um momento que valeu os incómodos, as dores nas costas, o cansaço, e os reencontros inesperados: foi o momento em que tive de arrumar os discos no seu lugar. Ao faze-lo, parei muitas vezes para ouvir os melhores da minha vida. Não são muitos – são os suficientes para algumas noites longas que invariavelmente acabaram pela manhã. Nalguns casos partilhei-os com quem me acompanhava na aventura.
Já perceberam certamente onde quero chegar: nas seis mudanças de casa que fiz nos últimos 15 anos, os discos que tenho em CD da Banda do Casaco – seis, para ser rigoroso – foram banda sonora de noites compridas e doces. Noites onde invariavelmente cheguei ao mesmo lugar, ao mesmo ponto, à mesma ideia: não há outra banda portuguesa que tenha conseguido prolongar a sua vida real até aos dias de hoje sem perder um átomo de modernidade, um segundo de criatividade, um tempo dos tempos que a música nos dá.
Neste olhar, confesso, não consigo distinguir este disco daquele, um “Jardim da Celeste” de um “Também Eu” – porque cada um deles, individualmente, releva essa modernidade à sua maneira, seja num arranjo rock ou na voz da Ti Chitas, seja na ousadia de uma letra ou na coragem de uma faixa de nove minutos. A Banda do Casaco é mais do que uma banda – e jogando com as palavras não hesito: é uma bandeira. De Portugal no seu melhor.
Nessa medida, esta edição não é mais do que um acto de justiça e um serviço publico: disponibilizar hoje a mais moderna das músicas portuguesas. Hoje. E a repetição é propositada.