Natal como deve ser
(Crónica originalmente publicada na revista Lux Woman. A deste mês já está aí nas bancas...)
Este é um Natal ingrato para revistas como a Lux Woman, que vivem tanto do consumo quanto de um olhar realista sobre as tendências da sociedade e o pulsar do mundo das mulheres – logo, por essa via, dos filhos, das famílias, do emprego. Imagino a directora Rita Machado confrontada com o paradoxo do consumo e da austeridade, do desejo e da necessidade, do que queríamos ter e do que efectivamente temos. Manter acesa, em tempos de crise, a chama do optimismo e da esperança, é uma tarefa árdua – e por isso tem o valor do fogo, que é talvez a mais bela das criações da natureza a seguir à água…
Leitor atento, noto na Lux Woman esse cuidado sensível com o que se vive e o que se deseja, o que se sonha e o que se pode. É um fio ténue, que esta equipa gere com profissionalismo e sensatez. Mas esta é excepção a uma regra que menospreza a realidade e faz parecer esquizofrénico o mundo da comunicação: o luxo não deixa de se exibir ao lado da maior miséria, sem qualquer espécie de decoro ou cuidado. Em momentos como este, por mais que se multiplique a solidariedade, dá mais nas vistas o abismo que separa as duas realidades que convivem no mesmo palco.
E talvez seja por isso que o Natal mexe comigo. Na verdade, tendo uma família pequena, talvez tivesse a tentação de, como fazem alguns amigos, meter-me num avião e transformar o bacalhau da consoada numa mariscada na praia, longe de tudo e de todos. Não o faço – resisto e fico. Olho o Natal de 2013 com pragmatismo, mas justamente na medida em que olho o fogo e água: um sem outro não vivem, um e outro se “resolvem”. Fechado o teatrinho fátuo do consumo desmedido, que tanto marcou as ultimas décadas, é tempo de regressar ao essencial e sentir a época como ela é: um tempo de reencontro connosco, com a família, uma altura para parar e pensar, para fazer balanços, para perceber o que raio andamos aqui a fazer.
Desde há uns anos mudei o meu registo natalicio e adoptei uma postura aparentemente frugal, porém profundamente emocional: deixei de comprar presentes, passei a fazer os meus presentes personalizados. Já fiz blends de chás, misturas de especiarias para temperar comida, no ano passado ousei as compotas de autor. Personalizei os frascos, assinei cada exemplar. Enquanto fazia estes mimos, pensava nas pessoas a quem os ía oferecer – e com isso dei ao Natal o real sentido que deve ter. No momento em que personalizo um chá para uma sobrinha, ou para a minha mãe, e penso nos sabores que lhe podem agradar nessa mistura, da canela ao cardamomo, do gengibre à menta, estou a dar sentido a uma quadra que, para quem não tem religião, só faz sentido como momento e aproximação à família e aos amigos. Este ano ando indeciso entre os licores (do poejo à hortelã, esta cabeça não pára…) e um caderno de receitas culinárias pessoais. Qualquer que seja a decisão final, não abdico da ideia central: converter o momento difícil que todos vivemos numa saída menos infeliz. Não me vejo a abraçar árvores nem ver renascimento e felicidade na morte, e não faço parte daquele grupo de falsos felizes que procuram a todo o custo transformar a dor numa oportunidade – nada disso, o que é mau é mesmo mau e quando se sofre, sofre-se mesmo… Mas entre o fundamentalismo da felicidade e uma forma airosa de dar a volta à crise, eu alinho na segunda alínea.
Se é verdade que há coisas boas a retirar de todos os maus momentos, o que eu retiro deste Natal de 2013 é, uma vez mais, essa aproximação ao essencial da vida: os outros, nós com os outros, os nossos, nós com os nossos. A vida só faz sentido quando sentimos o sentido que fazemos entre todos. E todos entre nós.