Chiado
Quando mudamos de casa, além de percebermos que a operação começa mas, na verdade, nunca acaba, tomamos decisões radicais. Deitar fora colecções de revistas que não queremos voltar a carregar. Oferecer o velhíssimo portátil, ainda em bom estado com o Windows 3.1. Reduzir o número de fatos àqueles que efectivamente ainda são vestíveis. Limpar brinquedos que já não estão na faixa etária do filho. Deitar fora dossiers sobre assuntos escaldantes como “rádios piratas e locais”, “projecto site sobre sexo”, “campanha Grande Jogo do Mocho”. Acabar de vez com a gaveta das caixas de fósforos de hotéis e restaurantes deste mundo e do outro.
Desta vez, ia deitar fora também os poucos exemplares de “O Independente” – não mais de 30 -, que sobreviveram às anteriores mudanças.
... Até que encontrei esta edição. A do incêndio do Chiado. A primeira que pôs à prova toda uma redacção novinha em folha. E quando me lembrei daquela madrugada e do dia que se lhe seguiu, há 20 anos, entre o Chiado e a Rua Actor Taborda, recuei na fúria da limpeza e arranjei um espacinho extra para esta selecção de exemplares.
Já agora, deixo este testemunho: o incêndio do Chiado foi algo que, na redacção do jornal, todos percebemos imediatamente que era importante, grave, marcante, único. Por isso, cada um à sua maneira, queríamos participar na edição especial, queríamos ser úteis, queríamos estar presentes naquelas páginas. O Paulo (Portas), o Miguel (Esteves Cardoso) e o Manuel (Falcão) perceberam esse sentimento. O que melhor lembro do fecho dessa edição foi o esforço deles para conciliar e paginar o trabalho de tanta gente e permitir que todos, da telefonista ao administrador, sentissem a sua impressão digital naquele jornal. E conseguiram. A primeira página desse “O Independente” era notável. O interior era sofrível – mas o importante é que foi sofrido e ganho. Por todos. E todos estávamos naquelas páginas. Era a décima quinta semana da aventura de um novo jornal.