Deixar a pensar
Os jornais diários pagos farão sentido, na minha existência, enquanto conseguirem deixar-me a pensar. Diariamente. Ou enquanto me derem noticias que ainda não soube no período entre “o acordar” e “o sair à rua” (o que implica passagens pela rádio, TV e Net, ou seja, guerra perdida para os jornais em papel...). Cada vez é mais raro tal suceder...
... Pois ontem, no El Pais – jornal perfeito que, por isso mesmo, às vezes aborrece e nem sempre compro... -, encontrei duas ideias que me deixaram a pensar.
A primeira, a propósito das eleições italianas, estava numa entrevista a Oliviero Toscani, o fotógrafo e mega-criativo da Benetton, muito pessimista sobre o seu país, muito realista sobre o momento que vivemos. Ele fala sobre Itália (e a ligação à moda e ao vestir faz todo o sentido), mas eu ouso expandir a imagem ao mundinho português:
“Fomos vencidos pela vulgaridade. Morreremos elegantes, vestidos na última moda, porém vulgares, vazios e idiotizados por dentro”. Explica: “Não é possível refundar o país porque a decadência não é económica, é moral”.
A segunda, na sequência de uma reportagem sobre a linguagem dos adolescentes nestes tempos virtuais, numa análise de Vicente Verdú: ele fala da “anorexia da língua”, uma expressão riquíssima (até para o debate sobre o acordo ortográfico...). E refere-se a um outro patamar da linguagem, que compara à comida rápida: a de que, na tradição, o sabor ocupou o saber. Ou seja, utilitários, mas ignorantes.
Não vou entrar pelo debate que as ideias convocam, que dará bons posts em breve, deixo apenas esta questão sumária: num tempo em que a notícia, a informação, é imediata por todas as vias gratuitas (ou praticamente gratuitas), será sensato admitir que os jornais pagos só vão sobreviver se conseguirem deixar-nos a pensar. Numa ideia. Em duas. Num caminho. Numa alternativa. Quem ainda não estiver neste caminho, estará a perder.