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Abr08
O século, o milénio
Das pessoas que neste instante estão a ler estas linhas, quantas terão a idade do século XX? Uma, duas, cinco? Não mais, estou certo disso. E que dizer das pessoas que agora elegem figuras do século, do milénio? Que idade terão? Que formação? Que distância e conhecimentos em relação à História? A resposta é sempre a mesma: ninguém sabe. Mas são poucas. Ou nenhuma.
O suplemento dominical do «New York Times» quis produzir uma «cápsula do século» para ser aberta no ano 3000. Independentemente do facto de ninguém saber se, daqui a mil anos, restará algo ou alguém desta civilização, a revista avançou para a ideia. Às tantas, esbarrou com um muro imprevisível: como conceber uma cápsula que durasse mais de 100 anos? Foi a primeira de todas as dúvidas. Reuniram-se especialistas, fizeram-se debates e mesas redondas. Entre outras conclusões curiosas, todos foram unânimes em preferir o «papel» aos «formatos digitais» – questões de segurança, vá lá. Mas o mais embaraçoso de tudo, lendo os especialistas, foi a incapacidade absoluta de prever sobre o que é e não é, é e será, é mas não será, relevante no futuro. Ainda que se fale de trivialidades, como garrafas de Coca-Cola ou o preservativos.
Perante a eternidade da «cápsula», os sábios estremeceram e deixaram ao cuidado dos leitores a escolha. Nós, por cá, não temos dúvidas: com a mesma ligeireza com que escrevo esta crónica, escolhem-se figuras para um século que não vivemos na íntegra, para um milénio sobre o qual não podemos ter dados adquiridos. Fazem-se listas como se se tratasse de um «top de vendas de discos». Atiram-se nomes para a praça como se estivéssemos num desfile de moda.
É impressionante a capacidade de decisão actual: os factos «que contam», os nomes «relevantes», as descobertas «decisivas», desfilam pelas revistas, pelos jornais, pelas televisões, pelos livros, com a negligência típica da maior das ignorâncias. Como se nós, pobres seres que vivemos o tempo que vivemos, tivéssemos a capacidade de nos distanciarmos e, dedo apontado, indicar com clareza e lucidez os nomes, as coisas, os factos. Não vivemos sequer um século mas falamos dele como se fossem favas contadas.
Eu sei que o mundo vive desses chamados «ícones» que os media criam e o povo cultiva. Também sei que é inevitável cair na tentação de «julgar» um tempo que termina. Mas gostaria, ainda assim, de ver alguma contenção na forma como se faz o balanço do tempo. O risco de esquecer quem não merece ser esquecido é enorme – mas pior é pensar na certeza de serem lembrados alguns dos que a História, no futuro, apagará.
O suplemento dominical do «New York Times» quis produzir uma «cápsula do século» para ser aberta no ano 3000. Independentemente do facto de ninguém saber se, daqui a mil anos, restará algo ou alguém desta civilização, a revista avançou para a ideia. Às tantas, esbarrou com um muro imprevisível: como conceber uma cápsula que durasse mais de 100 anos? Foi a primeira de todas as dúvidas. Reuniram-se especialistas, fizeram-se debates e mesas redondas. Entre outras conclusões curiosas, todos foram unânimes em preferir o «papel» aos «formatos digitais» – questões de segurança, vá lá. Mas o mais embaraçoso de tudo, lendo os especialistas, foi a incapacidade absoluta de prever sobre o que é e não é, é e será, é mas não será, relevante no futuro. Ainda que se fale de trivialidades, como garrafas de Coca-Cola ou o preservativos.
Perante a eternidade da «cápsula», os sábios estremeceram e deixaram ao cuidado dos leitores a escolha. Nós, por cá, não temos dúvidas: com a mesma ligeireza com que escrevo esta crónica, escolhem-se figuras para um século que não vivemos na íntegra, para um milénio sobre o qual não podemos ter dados adquiridos. Fazem-se listas como se se tratasse de um «top de vendas de discos». Atiram-se nomes para a praça como se estivéssemos num desfile de moda.
É impressionante a capacidade de decisão actual: os factos «que contam», os nomes «relevantes», as descobertas «decisivas», desfilam pelas revistas, pelos jornais, pelas televisões, pelos livros, com a negligência típica da maior das ignorâncias. Como se nós, pobres seres que vivemos o tempo que vivemos, tivéssemos a capacidade de nos distanciarmos e, dedo apontado, indicar com clareza e lucidez os nomes, as coisas, os factos. Não vivemos sequer um século mas falamos dele como se fossem favas contadas.
Eu sei que o mundo vive desses chamados «ícones» que os media criam e o povo cultiva. Também sei que é inevitável cair na tentação de «julgar» um tempo que termina. Mas gostaria, ainda assim, de ver alguma contenção na forma como se faz o balanço do tempo. O risco de esquecer quem não merece ser esquecido é enorme – mas pior é pensar na certeza de serem lembrados alguns dos que a História, no futuro, apagará.
Ao sábado, memórias. Texto editado a partir do original publicado na “Visão” no final de 1999