19
Nov07
Fumo branco
Passaram 20 meses desde que deixei de fumar. Sozinho e sem qualquer espécie de ajuda, para lá de ansiolíticos e muitas horas a cozinhar. Oito quilos a mais, também. Fumava três maços de “Marlboro Lights ” por dia, e fumava desde os 11 anos. Para quem não fuma, esta contabilidade é absurda e faz pouco sentido – para quem fuma e/ou deixou de fumar, é de meridiana clareza: o que se vive quando se dá este passo é duro e difícil.
Custou-me brutalmente - e custa-me ainda – a passagem dos dias, das horas, a ausência das rotinas associadas aos cigarros, os efeitos da abstinência. Escrevi um livro que me ajudou a sistematizar as variáveis dos níveis de dificuldade diária, juntei o dinheiro que gastaria em cigarros para me compensar, e fundamentalmente fiz sorrir a minha mãe e tranquilizei o meu filho. Valeu a pena, evidentemente. Não digo que sou “ex-fumador”, digo que sou um fumador que decidiu não fumar mais.
Quando vi a campanha publicitária em que o Diogo Infante aparece a dizer que deixou os cigarros, fiquei curioso sobre a ideia e o que estaria por detrás dela. Pareceu-me óbvio que se pretendia anunciar algo mais do que a decisão do actor.
Descobri então que aquela campanha, da “Pfizer”, em associação com a Sociedade Portuguesa de Pneumologia, existe porque a farmacêutica tem um medicamento inovador que parece ser eficaz sobre a vontade de fumar – ora, como é proibida a publicidade a medicamentos, esta foi a forma possível de “soprar aos ouvidos” dos fumadores e do comum dos mortais algo como: vão ao médico, talvez o tipo vos receite o nosso medicamento, sobre o qual infelizmente não podemos falar...
É ridículo . O mesmo governo que cria as mais severas leis antitabágicas, e que passa a vida a tentar regular a nossa saúde e os nossos hábitos, persiste num olhar complexado sobre o trabalho de comunicação da industria farmacêutica, transmitindo para todos nós a clássica imagem de uma indústria que lucra com a miséria alheia...
Neste caso, a miséria é deixar de fumar como eu deixei... E a riqueza seria permitir que os fumadores soubessem facilmente que existe um produto que os pode ajudar a deixar de fumar.
Sempre defendi que, em geral, a legislação nacional sobre a publicidade é hipócrita e subsiste numa cultura paradoxal em relação à sociedade de mercado. Mas este caso do Champix – assim se chama o medicamento, céus, cá está o nome, cometi um crime?! -, é para lá de absurdo. Parece um sketch do Gato Fedorento com o professor:
- Pode haver medicamento?
- Pode
- Deve?
- Deve.
- Existe?
- Existe.
- Mas pode falar?
- Não pode.
- E se falar?
- É crime.
E já agora...
- É comparticipado?
- Não é.
- Devia?
- Claro que devia.
No Reino Unido, o Champix passou a ser financiado pelo Serviço Nacional de Saúde em Julho passado.
Nota de rodapé antes dos comentários: não tomei Champix , porque deixei os cigarros antes de se vender entre nós (e na verdade não sabia sequer da sua existência). Não tenho qualquer interesse na divulgação destes factos – a não ser contribuir para que outros possam sofrer menos do que sofri e sofro.