Tempo perdido

Nov07

Tempo perdido

Ouvia na rádio qualquer coisa sobre Fausto, porque fazia 25 anos que tinha sido lançado o disco “Por Este Rio Acima”. Passaram duas canções desse trabalho e a música “enviou-me” para o ano de 1982 - justamente quando comecei a trabalhar, escrevendo sobre música num suplemento juvenil do “Correio da Manhã”. Lembro-me de tudo o que se disse sobre esse álbum de Fausto: que era um trabalho de génio, que ia figurar nos discos mais importantes da História, que era o herdeiro/continuador de José Afonso, ou mesmo o seu futuro. Nesse tempo, eu já gostava de Rui Veloso e Trovante , mas estava atento ao que diziam os “colegas” mais velhos e admitia que eles tivessem razão.

Vinte e cinco anos depois, oiço aquelas cançonetas estridentes de Fausto e sorrio. Reciclando um clássico: manifestamente, anunciaram o seu nascimento fora do tempo. Ou sem que afinal tenha ocorrido. Nada de grave: eu tenho um longo currículo de declarações solenes sobre a relevância de bandas absolutamente abaixo de cão.

Felizmente os anos passam não apenas para nos sentirmos mais velhos, mas essencialmente para nos enganarmos menos.

Ligo o I-Pod às colunas para ouvir uma canção realmente genial. Já era há 25 anos. Só a descobri há quinze. O tempo que eu perdi...

“Era um redondo vocábulo
Uma soma agreste
Revelavam-se ondas
Em maninhos dedos
Polpas seus cabelos
Resíduos de lar,
Pelos degraus de Laura
A tinta caía
No móvel vazio,
Congregando farpas
Chamando o telefone
Matando baratas
A fúria crescia
Clamando vingança,
Nos degraus de Laura
No quarto das danças
Na rua os meninos
Brincando e Laura
Na sala de espera
Inda o ar educa”.

Leio o poema de José Afonso e canto-o. Como se nunca tivesse tido outro destino. Outro lugar. Outra forma de se dizer.

14 comentários

JGobern 20.11.2007

Meu caro:
Foi um bom ano, o de 1982. Assim de repente, lembro-me da estalada do Independança ", dos GNR, tão à frente que só agora chega ao CD, da surpresa dos UHF, "Estou de Passagem", o Rui Veloso afastava-se dos riscos de "consumo imediato", com "Fora de Moda". Estreou-se a Geninha , "Terra de Mel", e houve dois abanões a quem poucos ligaram: o Allhur ", da Né Ladeiras, e o "Povo Que Lavas No Rio", cantado pelo António Variações. Passei o Verão a dançar o "Amor", dos Heróis do Mar.
Com tudo isto, lembro-me que quase se formaram dois clubes - um em torno de "Ser Solidário", de José Mário Branco, outro em volta de "Por Este Rio Acima", de Fausto. Como se, à boa maneira portuguesa, fosse preciso optar, em vez de aproveitar ambos. Levado pela maré, quando chegou a altura, também escolhi. Fausto. Não me arrependo.
Primeiro pela obra em si mesma, que fez o favor de me apresentar o Fernão Mendes Pinto que os meus professores, todos os meus professores , fizeram o favor de esquecer. Que pegava, de forma genial, nos jeitos e nos modelos da tradição portuguesa e lhes dava uma volta completa para construir um todo que tanto vale como um tratado de psicanálise sobre alguma História de Portugal como consegue - ainda hoje, 25 anos depois, perspectivar (sem bolas de cristal ou adivinhações de feira) as nossas encruzilhadas e as nossas contradições.
Depois, porque - de uma vez - o Fausto, a quem já devíamos a "Madrugada dos Trapeiros" e as "Histórias de Viajeiros ", era colocado onde merecia: na linha da frente. O futuro confirmou-o , Pedro - só quem se fardou de preconceito ou andou muito distraído pode negar as evidências de "O Despertar dos Alquimistas", das "Crónicas da Terra Ardente" (outra obra de fôlego único, desta vez virada à "História Trágico-Marítima", mas não só) e desse manifesto único da ironia sobre os "bons costumes" que é "A Ópera Mágica do Cantor Maldito".
Onde outros foram vendo "oportunidades de negócio", o Fausto foi mantendo a exigência a integridade. E, também nesse sentido, ele poderia legitimamente reclamar-se como herdeiro de José Afonso - se essa não fosse uma questão absolutamente estéril, uma vez que todos temos (felizmente!) direito a uma parte da herança. A diferença é que uns praticam, e há muito tempo, os outros nem por isso - são bem-vindos na mesma.
Tratar as canções de Fausto - chamo aqui apenas "Como Um Sonho Acordado" e "Lembra-me Um Sonho Lindo", a título de exemplos - como "cançonetas estridentes", Pedro, isso é que não! Cheira demasiado a radicalismo pequeno-burguês de fachada modernista ... E gostava que um dia revíssemos o conceito de estridência.
Resumindo: para descobrir "Era Um Redondo Vocábulo", não era preciso azedar os outros, enchendo-os de arestas mal limadas.
No comboio discordante, com um abraço.
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Carlos barbosa oliveira 20.11.2007

Caro Pedro:
Depois de um mês de ausência, regresso a portugal e tenho a grata surpresa de ver que também já tens um blog. Apenas te digo: ainda bem, pois é um prazer ler-te.
regressado de férias na China, retomei o meu blog cronicasdorochedo.blogspot.com . Espero que faças lá uma visista de vez em quando. Para tua ajuda aqui fica a lista dos 10 mais lidos durante a minha ausência:
1- A idade da inocência
2- Um coração volúvel
3- Inverno- momentos
4- Qual é a tua ó meo?
5- Milícias atacam na Ericeira
6- As lágrimas amargas de Petra W
7- Portugal Sentado
8- Vindimas
9- As avós da Plaza de Mayo
10- A felicidade paradoxal
Bem vindo à blogoesfera e boa sorte.
Um abraço
Carlos Barbosa de Oliveira
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paulo curto 20.11.2007

Estou com o João Gobern (acho que desde o se7e).
É ofensivo apelidar pejorativamente, porque só pode ser isso, de "cançonetas estridentes" as canções de Fausto.
É possível gostar, (eu consumi) à época e em simultâneo, de Fausto, Trovante, Rui Veloso e Zeca. Sem sacrifícios. Sem digestivos.
Como quem se repimpou com cozido à portuguesa ao almoço e escolhe, mais ligeiro (?) uma raquellete para o jantar. Sem preconceitos.
Cumprimentos
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José Carvalho 22.11.2007

Este comentário já vai fora d' horas, mas oh Pedro chamares cançonetas estridentes às músicas do "Por este Rio Acima" não lembra ao careca ....
Já leio as tuas escritas e te ouço no rádio sempre que posso, há alguns anos, e acredita que este teu post me desiludiu .... e muito.
Podes não gostar do Fausto.
Eu também não gosto de tudo o que o Zeca fez, mas nunca ousaria chamar ao que não gosto do Zeca de cançonetas estridentes.
Até pelo respeito que ele me merece e pelo que representa simbolicamente.
Como o Fausto. Seu compagnon de route.....
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