21
Nov07
Palma no Coliseu
(Estávamos os dois a ver os nossos filhos, muito pequeninos, a jogar à bola no campo de futebol da Zambujeira. E o Jorge disse assim:
- Pode ser que o meu puto seja o que eu fui, mas em bom.
Não lhe respondi porque o conheço e sei que não me ouviria. Mas lembrei-me disso no Coliseu, a noite passada).
A luz foi péssima, conseguiu o milagre de matar a intimidade nas canções íntimas e intimidar nas canções fortes. Os tempos foram lamentáveis. Entre canções, do princípio ao fim. A sequência dos temas dificilmente poderia ser mais mal escolhida, ainda que os temas fossem primorosa e certeiramente seleccionados.
... E no entanto, eu assisti esta noite ao mais arrebatador e emocionante concerto que me foi dado ver este ano. Cada canção valeu por si. “Casa do Capitão”. “Encosta-te a mim”. “Canção de Lisboa”. Estrela do Mar”. “Ai Portugal”. Cada canção foi em si um concerto, um episódio completo.
Entre ele e os músicos – e entre eles e nós – havia mais do que empatia. Comunhão parece-me a palavra justa.
Ele estava feliz e emocionado, humildemente agradecido por ser agora reconhecido como antes merecia e não foi. Deu o melhor que tinha. Deu tudo. A cada momento parecia que explodia de alegria. Uma criança num palco pequeno demais para todo o seu talento. Um génio que pedia desculpa por improvisar genialmente no piano. Um profissional que pela primeira vez se irritou com o mais humano dos enganos.
“Nós já vivemos cem mil anos” – mas nem que os tivéssemos vivido, eu queria mais esta noite só para mim. Só para nós.
(Não respondi naquela tarde, na Zambujeira. Respondo agora:
- Jorge, o teu maior drama e a tua maior felicidade é seres realmente tu próprio, e em bom).