Um café, um sake e um pouco de humildade
A minha iniciação na comida japonesa foi trágica, porque ficou marcada pela arrogância idiota que nos assalta aos 28, 29 anos. Aquela coisa: já somos gente mas ainda não percebemos que o mundo dá mais voltas do que as voltas que nós próprios somos capazes de dar (isto dá um post, mas agora não posso...). Bom, então nessa mania estúpida do “achar” saber tudo, e sabendo que sake é aguardente de arroz, eu ousei pedir um sake a acompanhar o café num dos melhores restaurantes japoneses do mundo (que à época ficava em São Paulo, no Brasil).
O empregado interpelou-me várias vezes sobre a peregrina ideia de beber sake com café, mas eu, do alto da minha sabedoria de merda, crescia para ele e dizia “já lhe disse que sim, não percebe poruguês?”.
E quando finalmente me confrontei com o sabor do pedido que fizera, percebi a cara do empregado e comecei a sentir-me mais crescidinho. Ou mais pequenino. Como quem diz: “Oh Pedro, não vais longe com essa pose, ganha lá alguma humildade...”.
Lembro-me de chegar a Lisboa e começar a procurar livros sobre comida japonesa, bebidas japonesas, e de repente estava em Londres a vasculhar as secções de gastronomia das livrarias e a aprender tudo sobre a paixão que nesse começo da década de 90 me assaltou. Até cheguei a ensaiar um franchising do excelente “Yo Sushi” londrino...
Deu-me jeito o trabalho de casa. Depois de me divorciar, usei amiúde (bela palavra, há anos que queria usá-la e estava difícil...) os meus conhecimentos sobre comida japonesa, técnicas, História, recursos, tendências. Estive nas caves da Fauchon, em Paris, a provar sake’s. E nunca deixei de contar a quem me quis ouvir a história do “peixe-balão”, o mais venenoso espécimen do universo, que dá aos cozinheiros que sabem manuseá-lo o diploma máximo na arte da cozinha nipónica.
Mas na verdade nunca comi o tal do peixe nem me cheguei perto. Nem nunca li matéria razoável sobre ele.
“Há coisas fantásticas, não há?”
Alguém na revista “Sábado” notou que a revista “New York” tinha publicado há um mês um artigo do excelente critico Adam Platt sobre o Fugu, nome rigoroso do peixe mortal. Porquê, não sei – mas sei por que motivo leio a “Sábado”. É justamente porque me pode surpreender com este artigo (que também podem ler no original aqui). E que prazer foi ler esta matéria – e reconhecer que, apesar do meu fascínio pela comida japonesa, comer o dito fugu já não faz parte da lista das “100 coisas que quero fazer antes de morrer”.
Por causa da “Sábado”, lembrei-me desse episódio parvo de arrogância e soberba gratuitas que vivi em 1994 no Brasil. E fiquei a pensar também neste tempo que vivemos, marcado por esses mesmos tiques que nos levam a lado nenhum.
Não muda nada...
... Preferia sinceramente provar um sake ainda destilado com saliva de raparigas virgens das aldeias interiores da China, como aprendi que tinha existido em tempos idos.