Os colunáveis
Há uma discussão clássica entre a classe política, a classe jornalística e todos os que se interessam pelas áreas de ambas, que renasce em todos os actos eleitorais e, até prova em contrário, continua sem uma conclusão evidente. Nasce desta pergunta: até que ponto a informação, os media, influenciam decisivamente os eleitores? Qual o poder real de uma notícia sobre os votos que recebe um candidato, seja ela reveladora de uma inequívoca virtude ou denunciadora de uma suspeita escandalosa? Pode um meio de comunicação, mais ou menos poderoso, «fazer» e «desfazer» políticos por força da informação, da exibição pública da figura, do «escrutínio» da sua acção ao longo de um mandato?
Olhando para a vitória esmagadora de Pedro Santana Lopes na Figueira da Foz, sou tentado a acreditar na ideia de «mediatização». Mas, ao mesmo tempo, e pelas mesmas razões, vendo a reeleição de José Luís Judas em Cascais, e ouvindo-o comentar os resultados como uma legitimação de uma falta grave (para não falar da infeliz palavra que resolveu usar para caracterizar a eleição: se não fossem as notícias sobre a sua situação fiscal, cito, «a banhada seria maior»...), parece óbvio que não há notícia de jornal, por pior que seja, que abale a dinâmica de vitória de um candidato.
Num caso e no outro, estamos perante um mesmo fenómeno que resulta de forma contrária: a circunstância de Pedro Santana Lopes ser uma figura popular e «televisiva» contribuiu fortemente para a sua eleição; mas o facto de José Luís Judas ter visto a sua reputação «manchada» pela suspeita de fraude fiscal não afectou a vitória já anunciada. Ambos são «produtos» dos «media», ambos beneficiaram de uma exposição pública anormal, e ambos vencem as suas guerras. O que os separa é a essência dessa exposição, são as boas razões para um ganhar e os piores argumentos para eleger o outro.
Nessa diferença reside a fraqueza da comunicação social: ela revela as figuras, transforma anónimos cidadãos em «famosos» com direito a páginas nas revistas sociais, mas a sua intervenção no processo de decisão acaba aí. Da exibição até à opinião, da cara até aos factos por ela protagonizados, vai uma distância maior do que aquela que leva o cidadão a conhecer as figuras e escolher.
Cavaco Silva viu os seus governos abalados por escândalos de todo o tipo – mas demorou dez anos a cair da cadeira. A imprensa portuguesa – honra lhe seja feita, que nesta matéria a televisão ainda não conseguiu destronar o jornalismo de investigação escrito – terá contribuído para que Cavaco não se tornasse eterno, mas essa contribuição foi lenta, insistente, recorrente, e mesmo assim foi preciso que a ela se juntasse o cansaço, a prova dos nove sobre a arrogância do poder, e a noção de que dez anos é tempo de mais para um partido estar sozinho a tomar conta do aparelho de estado.
Apesar da especificidade das eleições autárquicas, esta distância entre os factos e a tomada de posição aplica-se aqui da mesma forma: vão ser precisos pelo menos mais quatro anos para que a população de Cascais aceite pacificamente que José Luís Judas deveria ter sido removido do seu lugar. Até lá, a imprensa cumpre o seu papel: revela factos. E contra factos, por mais que Judas queira, não há votos. Só há o tempo a passar.
Vá lá saber-se por que raio fui buscar este texto, publicado em Dezembro de 1997 na revista Visão, para animar um sábado sempre dedicado à memória...