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Pedro Rolo Duarte

17
Jul08

Tanto barulho por nada

Houve até quem me chamasse “urbano-depressivo”, na fase em que tal miserável estado de alma estaria na moda. Na verdade, urbano. Sempre urbano e dependente da cidade – na sua oferta, no seu caos, no que tem de contraste entre o provinciano óbvio que resulta de quem chega e o tolo cosmopolita de quem acha que Lisboa é grande em pequenino. Gosto de táxis, odeio táxis. Não vivo sem cinema, sem restaurantes, sem esplanadas no rio, sem o cheiro a carro novo, sem elevadores, sem “eventos” (especialmente para poder decidir não ir), sem comida japonesa, sem manjericão fresco, sem pimentos padron, sem limoncello de Sorrento. Também não vivo sem encontrar de vez em quando esta pessoa, aquela pessoa, aquele cromo. Feira do livro, vou sempre. Domingo à beira-rio, até no Inverno. Frango da Valenciana, é óbvio. Fazer compras. A FNAC. E gosto de aproveitar os semáforos para fazer outras coisas, e gosto de estacionar em lugares impossíveis, e gosto do Corte Inglês.

Tudo isto para dizer que sou urbano, não Tavares Rodrigues, menos ainda depressivo.

Mas começo a ter dúvidas.

Por causa do ruído. Do barulho. Das duas coisas.

Tomo um Bromalex logo que vejo um empregado de café aproximar-se da pilha de pires & chávenas acabados de lavar. Já sei que vem um ruído ensurdecedor na hora de arrumar os pratos e as chávenas, que me deixa arrepiado e hipertenso – mas que ninguém parece notar, nem reclamar, a começar no próprio empregado. Normalmente, este barulho insuportável da loiça a ser empilhada ou desempilhada é acompanhado pelo não menos incomodativo ruído da máquina de moer o café. Sou só eu que oiço?

Além disso:

Há sempre um apartamento em obras perto da minha cama.

A porta do edifício onde vivo (um 4º andar...) bate como se fosse a ultima vez que batesse e a seguir o prédio desmoronasse. Oiço cá em cima.

A porta do elevador também.

Viajo muito de táxi à noite e não raras vezes me vejo na contingência de falar mesmo muito baixinho para obrigar o motorista a descer o volume do rádio para um nível abaixo do standard “estádio de futebol ao rubro”.

Os carros do INEM fazem barulho mesmo quando o ferido grita “silêncio!”.

Buzinar é em Lisboa mais ou menos o mesmo que assobiar, estalar os dedos ou fazer aquele gesto manual de “a conta, por favor”: não conta, faz-se.

As crianças portuguesas falam mais alto do que as outras.

Nos homens, quanto mais alcool, mais alto o volume. Beber ensurdece?

Quanto mais distante, mais se grita ao telemóvel.

Eu não aguento mais o ruído. O barulho. As duas coisas.

E então começo a pensar se serei ainda o “urbano” de sempre – ou se me terei tornado noutra coisa qualquer e esteja à beira de uma mudança efectivamente radical.

Se acontecer, começou com o ruído das chávenas e pires de café a serem empilhados depois de lavado. E continuou com a obras à volta do meu sono, sempre do meu sono, todos os dias, excepto naqueles em que o ruído eram pessoas a rir ou a falar ou a ver televisão muito alto. Estou farto.

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