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Pedro Rolo Duarte

21
Jul08

Às vezes, ter razão é triste

 

No auge da minha paixão pela Costa Alentejana, mais precisamente pela Zambujeira do Mar e “ilhas” adjacentes, tive longas discussões com os proprietários dos cafés e restaurantes que frequentava. Eles acusavam-me – a mim e a mais uns tantos maduros... – de querermos aquele paraíso só para nós...

Eles, comerciantes, queriam a Zambujeira “para todos”, por isso aplaudiam o Festival do Sudoeste em pleno Agosto, por isso cediam às cadeiras foleiras e aos chapéus-de-sol das marcas de cerveja (aquele largo da aldeia, no Verão, parece um verdadeiro supermercado de marcas e cores, um monumento de poluição visual), por isso faziam sanduíches de mau fiambre e pior queijo, e maus sumos (laranja e já era obra...) e fritavam batatas congeladas e vendiam chouriços industriais...

A minha argumentação era sempre a mesma: se eles cultivassem qualidade, iriam ter qualidade de retorno. Isso significava clientes fiéis, dispostos a pagar o justo preço da qualidade, menos instáveis mesmo em momentos de crise. Eu só queria que a Zambujeira fosse autêntica como há 20 anos, e não plástica e massificada, como se estava a tornar.

A argumentação deles era clássica: só temos o Verão para facturar, mais vale imperial a rodos em copos de plástico durante 3 dias de festa. O futuro que se dane.

“Eles” ganharam – e depois de darem cabo do melhor bar de praia do país (ler a história aqui ) , e por consequência da própria praia, e depois de arrasarem com o mês de Agosto a golpes de festival e quartos alugados em garagens de automóveis, e depois da conversa de sempre – “no Inverno esgotam os jornais, porque somos poucos; no Verão esgotam os jornais, porque somos muitos” -, desisti: despachei a casa e larguei a Zambujeira (como eu, a maioria dos veraneantes que conheci nestas décadas). Voltei a viajar e a ter a capacidade de descobrir outros paraísos.

Por tudo isto que aqui desabafo, não me surpreendeu a reportagem de Carlos Dias no “Público” de ontem. Infelizmente. O texto sustenta-se na teoria da crise – mas na verdade, a questão é mais vasta e tem outras cambiantes: tivesse aquela população percebido o valor e a importância de um turismo de qualidade (que ali se dispôs a aportar sem pedir em troca mais do que autenticidade e paz...), e a crise suportava-se hoje bem melhor. Como aquela gente preferiu o lucro rápido e imediato nos anos loucos da “expansão”, agora “é assim”:

“É uma sensação estranha atravessar de automóvel, em plena época balnear, as localidades costeiras do litoral alentejano de Azenha do Mar, Zambujeira do Mar, Almograve, Porto Covo ou São Torpes. As viaturas circulam sem estarem sujeitas a qualquer congestionamento de tráfego e até se consegue estacionar, logo à primeira, e em qualquer lugar. Nas praias da Zambujeira do Mar e Porto Covo, uma dúzia de chapéus de praia dispersam-se pelo areal que parece imenso, comparando-o com anos anteriores, quando os banhistas disputavam uma nesga de espaço para estender a toalha.
Nas esplanadas abundam as cadeiras e mesas vazias ponteadas por meia dúzia de pessoas à volta de um pequeno prato com salada de polvo que cavaqueiam sobre o seu aborrecimento e consternação por tão fraco afluxo de turistas”.

(...)
“A escassez de veraneantes estende-se inevitavelmente aos estabelecimentos de restauração. No snack-bar O Martinho com uma excelente panorâmica para a praia da Zambujeira do Mar, a clientela "é fraca" e "pouco endinheirada", diz António Lopes. Com efeito, as escolhas dão preferência ao frango no churrasco com batata frita. Pedidos de peixe, "apenas pratos de sardinha de vez em quando" ou então "um peixito para sete pessoas para ficar mais barato". Há três anos, a clientela era muita e "até aceitava esperar pelo peixe que vinha da lota". Este ano é tão pouca que "nem dá para aquecer", apesar do calor”.

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