Impunidades (parte II)
Não li o livro do ex-inspector da PJ Gonçalo Amaral. Bastou-me tudo o que contou nos jornais e nas televisões entre ontem e hoje. E encontro nesta vaga de fundo uma boa e uma má notícia.
A boa notícia é que Gonçalo Amaral se reformou. A má notícia é que ele pode constituir, ainda assim, o protótipo do inspector da Policia Judiciária.
A admitir esta hipótese, francamente plausível, o pior que nos pode suceder na vida é estar no sítio errado na hora errada. Porque, nessas circunstâncias, um qualquer inspector de PJ pode ter “convicções profundas”, acreditar em teses desmentidas por cientistas, juntar dados de um puzzle inexistente, e repentinamente sermos arguidos de um processo que nem sabíamos existir. Do que li e vi, estamos perante mais um julgamento popular sob a forma de livro assinado por autoridade aparentemente competente.
Convém notar: não é autoridade por ter convicções e opinar, não é competente porque não prova nada do que diz, e não julga porque obviamente não pode. Nem sabe...
... Quem sabe, isso sim, se a língua portuguesa não ganhou hoje um novo verbo – o Muratear. Ou seja, tornar arguido um qualquer Murat que se atravessou no caminho de um investigador da PJ.
Confesso: depois do espectáculo do dia nos jornais e nas televisões, olho com outros olhos o poder real de um polícia. E estou assustado.
PS – Também noto, à margem do processo, a incompetência editorial da coisa: quando se abre ao meio a galinha dos ovos de ouro, a galinha morre e deixa de dar ovos... Parece ter sido essa a estratégia de marketing para o livro: já tudo foi contado, não resta nada para ler.