27
Nov07
Coisas que eu aprendi*
Janto sozinho na “Trindade” e observo o espectáculo à minha frente: carne vermelha mergulhada numa frigideira cheia de um molho cuja composição oferece legítimas interrogações quanto ao teor de gordura, travessa de batatas fritas ao lado, imperial gelada à frente, pão branco, um pacote de manteiga. Ou seja: a arma mortífera toda concentrada em cima de um miserável toalhete de papel. Enquanto cometo o meu lento (porém, não doloroso) suicídio, listo algumas coisas que aprendi antes deste bife.
Que não nos devemos levar muito a sério. Aliás, nem muito nem pouco – nada.
Que os sábios chafurdam na dúvida e fogem da certeza como o diabo da cruz.
Que o amor não é eterno nem enquanto dura.
Que a amizade inicia a sua descida para os infernos no dia em que nos dizem “ligo-te para a semana” depois da primeira vez em que não nos atendem o telefone.
Que não é por acaso que os ratos se salvam sempre.
Que vamos engolir mais palavras na vida do que imperiais geladas.
Que as imperiais escorregam melhor do que as palavras.
Que também diziam que o azeite fazia mal.
Que também diziam que ovos é que era bom.
Que a idade não é um posto. Talvez seja um porto.
Que nesse caso talvez a idade seja uma doca seca.
Que pior do que não ter currículo é ter excesso de currículo.
Que, em geral, quem está por cima se esquece do tempo em que esteve por baixo.
Que a frase anterior se presta a trocadilhos sexuais óbvios e dispensáveis.
Que as coisas ficam mesmo depois de nós partirmos.
Que nenhum ser humano ficará – mas que as coisas dos seres humanos ficam, ficam, ficam.
Que o mundo era um local mais aprazível se nos lembrássemos permanentemente que as coisas ficam mesmo depois de nós partirmos.
Aqui chegado, pedi a conta e voltei para casa. Ía começar a listar tudo o que faria do mundo um local mais aprazível. Não me apetece.
* - A ideia original é da edição norte-americana da minha revista masculina favorita, a "Esquire". Já foi adaptada cá pelo Expresso. Eu não adaptei - copiei mesmo.