Ganhou
E o meu texto é o mesmo, devidamente editado apenas para ser actual:
Se eu fosse cidadão norte-americano, teria votado também Obama. Não porque o espectáculo montado pelo candidato me convença, ou porque acredite sinceramente que vai resolver os problemas económicos, sociais e políticos dos Estados Unidos – e com isso contribuir para o equilíbrio da economia e do bem-estar globais -, ou sequer porque veja nele algo de verdadeiramente inovador. Mas apenas porque representa um plano de corte na sequência do filme. E fazem falta estes planos para que não percamos de vez o interesse na fita e algum crédito no futuro.
Talvez por isso, fico sempre espantado com os entusiasmos infantis que este tipo de eleições provocam – como se estivéssemos perante um “sim ou sopas” entre continuidade e rotura. Não estamos. Obama é muito menos “alternativo” do que a esquerda europeia pretende que seja – e será certamente uma desilusão para a esquerda hippie-chique que delira com a figura. Obama, antes de ser pessoa, é um quadro electrónico, encenado, teatralizado, construído pelos democratas para vencer muitos anos de poder republicano. Só isso – e jamais “tudo isso”. Ninguém em rigor sabe onde começam e acabam a convicção e as ideias – sendo certo que todos podemos ver onde começa e acaba o marketing eleitoral.
O que a televisão me mostra é um aquário onde nadam de um lado para o outro todas as técnicas da comunicação, todos os artifícios do marketing político, e um sem-número de recursos que o maravilhoso mundo da tecnologia coloca ao dispor dos partidos.
Quando acordarmos deste fogo-de-artifício, o que restará com Obama (e ainda bem que foi com ele) será a mesmíssima América que se agiganta aos nossos olhos com um ar perdido no “subprime” e noutros “primes” que nos escapam de momento. Em vez de balas de chumbo, balas de borracha. Em vez de braço de ferro, poker de dados. Em vez de liberalismo selvagem, liberalismo próximo de.
Temo que não tarde a desilusão. Porque nos EUA, como aqui, cada vez são mais rápidos os ciclos que nos levam do entusiasmo ao desencanto. Da esperança à derrocada. É esta convicção que me leva a pensar nisto: mesmo que todo o ocidente tivesse direito de voto nestes momentos norte-americanos, nem isso mudava o implacável ciclo da miséria humana. Mais do mesmo, ainda que desta vez possa demorar um pouco mais de tempo até que o mesmo seja mais dele próprio.