Foi o dia da overdose Obama. Foi o dia da repetição sistemática das imagens, dos pontos fortes, dos resumos, das frases de rodapé. Foi o dia do coro de vozes, das “notas importantes”, da variedade de gente que comenta, e do à-vontade com que todos dizem “O Obama” ou “O Bush”, como se fossem muito lá de casa. Foi o dia da overdose – e por causa disso, tudo redundou num único registo, uma espécie de campo e contra-campo que se anulam simultânea e mutuamente. Planos cruzados que nos fazem perder o ponto de referência. Como se fosse sempre o mesmo spot. E cada momento apaga o momento anterior, e cada ruído abafa o ruído anterior, e cada palavra faz esquecer a que foi dita – e como todos se repetem sucessivamente, todos se anulam e abafam. E assim desaparecem.
À medida que o dia passa verifico que as imagens “decisivas”, os momentos marcantes e únicos, tornaram-se progressivamente mais próximos de uma única massa informe, espécie de plasticina movediça e sem relevo. Como se tivesse assistido, em directo, ao picar da carne, até ficar feita em papa.
Daqui a pouco começam a rodar os jornais de amanhã e suspeito que vem mais um bocado de ruído para cima do ruído com que, neste instante, me retiro. Estou cansado do cansaço que me impuseram. Estou farto até do que ainda não aconteceu. E apesar de me ter rendido ao talento de Obama, não suporto mais uma única imagem repetida deste dia. Um dia repetido à exaustão. Para lá da exaustão.
Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.
Uma boa frase
Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira
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