Sol e sombra
Quem quisesse, nesta fase da “campanha”, fazer um estudo interessante sobre a evolução do jornalismo e da comunicação nas últimas décadas, bastaria que comparasse o impacto nas vendas, audiências, e mesmo na notoriedade, dos jornais “O Independente”, na década de 80, e “Sol”, na actualidade.
A verdade é dura: nos anos 80, para acompanhar as manchetes cheias de sangue e pólvora de “O Independente”, a manhã de sexta-feira tinha um corropio de compradores e muita conversa nas bancas de jornais; em 2009, tudo se sabe na véspera, na internet, e em qualquer parte. Resultado: não é preciso comprar o “Sol”, e nem por isso deixamos de saber “o importante” sobre o caso Freeport. Na quinta-feira, o “Público” resumia as matérias da “Visão” e da “Sábado” e na véspera as televisões já tinham revelado as headlines de ambas.
A informação circula em circuitos tão rápidos e abertos que qualquer pessoa pode saber o essencial de toda a imprensa sem ter de gastar dinheiro ou fazer o mais pequeno esforço. Entre a televisão, os jornais e portais na net, os blogues, a rádio, os temas morrem antes mesmo dos jornais chegarem à banca.
Isso explica que, nesses idos de 80, o “Caso Cadilhe” – uma irrelevância transformada em escândalo... – tenha feito subir as vendas de “O Independente” do vermelho até ao verde nas contas de um ano, enquanto o Freeport dá notoriedade ao “Sol” mas não é exponencial no sucesso comercial do semanário, que parece cada vez mais tremido. Tudo mudou.
Isso convoca também a reflexão que alguns distraídos não estão a fazer: a sobrevivência da imprensa paga passa cada vez menos pelo jornalismo heavy-metal da notícia pura e dura (que ainda vai dando notoriedade, mas em breve será asfixiada pela própria ideia de concorrência e confusão entre marcas, como já sucede quando as televisões se citam mutuamente sem efeito nas suas audiências). O caminho, a ser salvaguardado ou prevenido, passa necessariamente pela mais-valia dos autores, de quem escreve, de como se escreve, se desenha, se fotografa, da criatividade, da capacidade de criar empatia e relação emocional com o leitor – ou seja, pelo trabalho aprofundado e consistente que justifica e explica o preço de capa. Um jornal é cada vez mais a soma dos seus “escritores” (entre aspas, porque debaixo deste chapéu estão jornalistas, cronistas, autores, designers, ilustradores, fotógrafos), e a marca que eles imprimem na credibilidade da marca que lhes dá guarida. O caminho é este.
Quem quiser continuar a pensar no jornalismo à antiga, com muitas notícias e pouca escolha, com mil títulos e muitas cores, com todos à uma e a esperança vaga de que um escândalo salve a honra das contas anuais, pode fazer contas à vida: só vai ter lugar nos semáforos. De borla.