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Pedro Rolo Duarte

22
Mar09

Eu é mais ovos

Hoje vou falar de ovos. Porque eu gosto de ovos. Gosto deles mexidos – simples, com tomate, com espargos – mas também gosto de estrelados, de omeletas, gosto do ovo cru que se mistura na açorda, gosto do cozido que se desfaz na salada de atum, gosto do ovo escalfado nas ervilhas, ou do que se pincela por cima da empada de caça antes de ir ao forno. Gosto do ovo no bacalhau à gomes de Sá e no bacalhau à Braz...

Já perceberam que tenho com o ovo uma relação próxima. Eu apanhava ovos das galinhas da Dona Olímpia quando tinha 5 anos, no Penedo, e o meu filho apanhava ovos das galinhas da Dona Ana quando tinha 5 anos, na Zambujeira...

(Parêntesis para momento de humor: num texto sobre um dos meus livros, o crítico João Pedro George remata um arraso monumental desta forma: “Como dizia a minha avó (o Pedro Rolo Duarte) é como o ovo, não tem ponta por onde se lhe pegue”). Enfim, dá para perceber que o ovo está para a minha vida como a chuva está para os campos: essencial, mesmo quando em excesso.

Pois bem: aqui há dois ou três anos, numas análises corriqueiras, descobri que tinha o colesterol numa conta demasiado generosa. Em princípio, tudo indicava que morreria no prazo de semanas se acaso não controlasse os meus ímpetos. Uma rigorosa dieta, acompanhada de milagrosos comprimidos, devolver-me-ia anos de vida e um colesterol “normal”. Alinhei, claro...

Dessa dieta fazia parte o corte com o ovo – esse assassino silencioso, disfarçado de alimento completo, elogiado toda a vida pelas suas virtudes. Mas, e afinal, um “serial killer” à solta na nossa alimentação.

Na verdade, um mês depois, entre a dieta e os comprimidos, o colesterol tinha sido dizimado e os níveis de “contaminação” estavam dentro do padrão europeu. Não gosto nada de entrar em padrões europeus – mas o médico assustou-me mesmo e até me esqueci desse ódio de estimação.

Desde aí, o ovo passou a ser a minha miragem. A excepção à regra. O meu Natal irregular. De vez em quando cedo e, como um louco à solta, peço uma omeleta. Quando nada mais me resta, faço um ovo mexido com tomate. Mais nada.

Até que, há poucos dias, leio uma notícia cujo título dizia “Ovo completo”. Logo ao segundo parágrafo, está escrito com todas as letrinhas: “Em 2006, um estudo da Universidade de Massachusetts, concluiu que a ingestão de um ovo por dia ajuda a prevenir a degenerescência molecular relacionada com a idade, sem que os níveis de colesterol aumentem. À semelhança de outros estudos, a ligação do ovo ao colesterol foi negada”. E eu paro: mas estão a gozar comigo? Então, ando eu a evitar o ovo, a fugir do ovo, e mais uma vez a medicina se contradiz e me explica que estou a perder tempo?

Uns dias depois desta notícia, leio na insuspeita revista “Veja” uma matéria sobre as oscilações que alguns produtos têm na observação dos cientistas. O ovo é um deles: já foi miraculoso, assassino, amigo, odioso, e de novo companheiro da saúde humana. Fico de rastos. Por favor, sosseguem! Eu não consigo viver a desconfiar de ovos, alfaces e frangos! Eu não quero sonhar com ovos a perseguirem-me e bifes de vaca a asfixiarem-me. Eu não desejo morrer por causa de uma dourada “de aviário”...

... Que eu seja como um ovo, aceito tranquilamente. Que o fígado se queixe do excesso, tudo bem. Agora, que andem a brincar com os meus níveis de colesterol e depois me digam que, afinal, “ah, pensámos melhor, e ovos até pode”...

Isso não. Organizem-se. E digam-me de uma vez por todas: o ovo tem ponta por onde se lhe pegue?

Texto originalmente publicado na revista Lux Woman

 

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