A carta
(Originalmente publicado no Sapo24, quinta-feira passada. Assim será, nos próximos tempos, todas as quintas. Republico por aqui, um ou dois dias depois. A ler o restante painel de colunistas: António Costa, Francisco Sena Santos, Paulo Ferreira, Rute Sousa Vasco)
Há qualquer coisa de esquizofrénico no confronto permanente entre o PSD e o PS - ou entre Pedro Passos Coelho e António Costa, como queiram - sobre a magna questão “quem trouxe a Troika para Portugal?”.
Excepto para os portugueses nascidos depois de 2011, foi sempre claro que a intervenção foi pedida pelo PS, que era Governo na altura, com o apoio e o beneplácito do PSD e do CDS, que depois fizeram o favor de cumprir o programa ao longo da legislatura (que venceram em eleições). Nem se esperava outra coisa de tão obedientes primeiros-ministros.
Tanto Sócrates disse, à época, que não tinha outro remédio senão pedir a intervenção externa, como Passos Coelho governou o tempo todo com a Troika na boca, para justificar os cortes que deixaram o país à tona de água - e os portugueses, afogados…
Isto, que parece meridiano e todos sabemos, tem ocupado horas de debate, de mentiras sobre mentiras, e culminou ontem com uma carta desconhecida (e “confidencial”, claro!) que Passos Coelho terá escrito a José Sócrates, caucionando a intervenção internacional. Em plena campanha, nem a revelação da carta é insuspeita nem a relevância que se lhe dá é ingénua: PS e coligação gozam, uma vez mais, com a nossa cara, e tomam-nos por parvos. Percebo que se sintam à vontade para o fazer - temos votados maioritariamente neles, sempre, desde 1974, e presumo que se sintam inimputáveis… -, mas os sinais que têm vindo da Europa, da Grécia à Espanha, passando pela recente eleição do novo líder dos trabalhistas britânicos, deveriam deixar estes senhores a pensar que a História, de quando em vez, dá umas reviravoltas e cumpre a frase de Lenine quando dizia que se dão dois passos em frente mesmo que se dê um para trás.
Infelizmente, as eleições de Outubro não devem ser ainda o segundo passo em frente de que precisamos. Cheira-me mesmo que vamos ficar a marcar passo. Lamentável é perceber que uma das razões por que assim será passa por esta teima de crianças sobre quem trouxe a Troika para Portugal. Todos sabemos quem foi: PS, PSD, CDS. E quem neles mandava e manda. Custava alguma coisa reconhecer isto e seguir em frente, aumentando o nivel do debate?
Talvez custe - podia dar-se o caso dos candidatos terem de debater questões realmente relevantes, e no limite explicarem-se melhor. Não sei como seria se realmente soubéssemos o que nos espera. Mas sei que seria diferente do que vai ser.