A grande ilusão
(Crónica originalmente publicada na edição de Agosto da Lux Woman. A deste mês já está á venda e vale bem a pena...)
Na adolescência, o Verão é geralmente o tempo das grande ilusões amorosas, e das ainda maiores desilusões. Os namoros de Verão arrasam os que vinham do Inverno - mas depois duram pouco e sofremos pelo que perdemos e julgamos nunca mais recuperar. Lembro-me de ser adolescente e sonhar com as “férias grandes”, para depois desejar ardentemente que acabassem para tentar voltar ao que entretanto perdera…
Vivia em ansiedade permanente - mas gostava dessa sensação de abismo. Olhava para os meus pais e pensava: ser adolescente é isto, diferente de ser adulto. Um dia vai passar, e eu serei como o meu pai, tranquilo e bom marido, cuidadoso e cuidador, apaixonado e dedicado…
E toda essa loucura e ansiedade passaram mesmo. Os meus Verões são hoje, emocionalmente, iguais aos Invernos: como têm de ser. Uns assim, outros assado. Pouco importa.
Porque, pelos vistos, na idade adulta o Verão é o momento para outros sentimentos fortes e ansiedades repentinas: as desilusões da política, ou mais rigorosamente do que julgávamos ser o mundo onde queríamos viver. Não preciso de voltar a 2001 e lembrar o 11 de Setembro, e como ele mudou a nossa cómoda forma de viver e de estar, num Ocidente momentaneamente pacificado. Nem quero ir a 1975 e lembrar o Verão Quente português, que este ano “comemora” o seu quadragésimo aniversário. Basta-me este ano de 2015 e o seu confronto europeu a propósito da Grécia.
No momento em que escrevo ainda existe Grécia e ela ainda faz parte da “zona euro” - mas é indiferente, para esta crónica, o destino do país e do Euro. O que me interessa é simples: este foi o Verão em que a ilusão da Europa foi substituída, sem dó nem piedade, pela desilusão europeia. Não é como na canção, que dizia “Afinal havia outra”, é mesmo sem outra: afinal, não havia Europa.
Houve um sonho europeu, com o qual vibrei com apenas 22 anos, e vi nele uma gigantesca “linha de crédito”: financeira, sim, para pôr Portugal em dia, mas essencialmente social e política. Acreditámos que íamos construir uma fortaleza (ligada a um velho continente…) onde a paz, a democracia, a justiça, a solidariedade e o desenvolvimento eram tão desejados quanto óbvios. A ideia de Europa era um pouco como um casamento: certamente atravessaria as suas dificuldades - mas desde que ambas as partes o desejassem fortemente, seria indestrutível. E como numa família, haveria filhos para ajudar a crescer e educar, netos que veríamos nascer, e cunhados e primos para solidificar a grande família. Ingenuamente, percebo agora, ignorei os pecados mortais que inteligentemente a Igreja Católica consagrou: a gula, a avareza, a inveja, a soberba, para falar apenas dos que contam para este fim de ciclo. Estupidamente, fiz de conta que a raça humana, em especial na Europa, tinha aprendido a lição e mudado radicalmente depois de 1945.
Nada disso. Na essência, nada mudou, e os pecados estão aí para serem servidos e praticados. A desilusão deste Verão foi essa: perceber que a ideia de Europa não passou disso mesmo, uma ideia. Que houve casamentos de conveniência, infidelidades, traições, amantes e amores desfeitos, como nos casais mais primários e banais; e que os senhores e senhoras que elegemos para orientar tudo isto são afinal fracos - e pouco, muito pouco solidários.
A crise na Europa, qualquer que seja o seu desfecho, reproduz as nossas relações amorosas, de amizade, o mundinho onde nos fechamos todos os dias: cada um por si, muito poucos dispostos a dar o corpo ao manifesto. E deixa o sabor amargo a “mais do mesmo”: o reconhecimento de que nós, os do Sul, nunca seremos como “eles”, os do Norte, e que no fundo tudo obedeceu à mais clássica das exclamações: “É a economia, estúpido!”.
Assim me sinto, estúpido e desiludido, cumprindo o que a adolescência me ensinou sobre o Verão: é muito bom, mas quase sempre acaba mal…