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Pedro Rolo Duarte

16
Out15

A traição do tempo

(Crónica publicada ontem no excelente Sapo24...)

Se fosse vivo, o meu pai faria amanhã, 16 de Outubro, 85 anos. Além da memória emocional de um filho que perdeu o pai cedo demais, mesmo nunca sendo demasiado cedo, persiste uma memória cada vez mais doce (passaram quase 30 anos sobre a sua morte), a que recorro sempre que a vida me pede. E pede, felizmente, muitas vezes.
No mundo da comunicação, nunca deixo de pensar nele nestes momentos mais vibrantes da política, do jornalismo, da vida em rede, porque me lembro dos seus ensinamentos e das suas ideias. O lamentável episódio José Rodrigues dos Santos da semana passada, que o crucificou injustamente em escassos minutos, e cujas ondas de choque ainda não acabaram (nem os aproveitamentos tolos que dele se fizeram), voltaram a sentar-me à mesa imaginária do meticuloso António Rolo Duarte.
Bom… Acho que o meu pai não seria sinceramente feliz no tempo actual. O rigor com que praticava o jornalismo (era obsessivo com datas, idades, factos concretos), o tempo que achava essencial para confirmar um rumor ou o que poderia constituir noticia, não seriam facilmente compatíveis com esta voragem em que vivemos, e que condena na praça publica, com a maior das veleidades, qualquer erro: o humano, o propositado, o negligente, o indigente. Errar já não é humano - é sempre pretexto para apedrejamento na praça publica.  Tentar perceber os factos não faz parte do processo do raciocínio - mais vale julgar de imediato. Parar para pensar deixou de ser um acto de sensatez - passou a ser um atraso de vida. É lamentável.
Nunca me esquecerei disto: o meu pai disse-me, quando tirei a carta de condução, que o pedal do travão servia para abrandar e parar, e não para travar. Ou seja, prevenia. Não era, em si, a solução - mas a possibilidade de antecipar o possível problema. Aplicado à vida, e ao jornalismo, era como dizer que o cérebro serve para cozinhar a informação, jamais para ferver sentimentos imediatos. Não me fica mal dizer que o meu pai era sábio.
E fica muito menos mal no momento em que assisto, sem forma nem jeito de reagir, ao episódio Rodrigues dos Santos, no mesmo momento em que verifico que os nosso líderes políticos - os que ganharam e os que perderam, na verdade nem sei agora quem foram uns ou outros… - dão o dito por não dito em jogos de poder onde as palavras de honra deixaram de ter honra e ficaram apenas palavras.
Volto ao meu pai: amanhã faria 85 anos e, se estivesse entre nós, talvez não quisesse andar pela net. Pacientemente, mesmo na sua silenciosa ansiedade, esperava pela verdade dos factos. E depois do café, diria o que pensava. Por causa desse seu feitio, tinha quase sempre razão. Faz falta quem a tenha, mesmo que demore mais um bocadinho.

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