A verdade mentirosa dos números
(Na plataforma Sapo24 desde quinta-feira passada....)
A história é velha, e sempre igual: eu como uma galinha inteira, o leitor come raspas. Para efeitos estatísticos, cada um de nós comeu meia-galinha… E não consigo deixar de pensar nesta anedota sempre que se publicam estatísticas - talvez a verdade mais mentirosa que a aritmética criou. Nos últimos dias, tivemos uma série de estudos “oficiais” que servem para todos os gostos, seja o comilão da galinha ou o esfomeado que ficou a ver navios.
Confesso: estes números não me dizem nada, nem consigo, como os “especialistas”, ver-lhes sinais de um presumível “capital de esperança” que anima os meus concidadãos e os leva a acreditar que dez euros a mais numa pensão miserável é um bom argumento para apostar em Portugal. Pelo contrário: no mesmo dia em que estas notícias eram divulgadas, uma infeliz coincidência levou-me a passar o dia no concelho de Odemira, entre São Teotónio, Brejão e Almograve. Apesar de ser feriado, havia muita gente a trabalhar nas estufas que inundam toda aquela costa alentejana. E deu-se este fenómeno extraordinário: o maior número de portugueses que vi juntos eram os que saíam da missa do meio-dia…
No resto, entre supermercados e cafés, nas ruas, nas praças, entrando e saindo de camionetas, vi magotes de trabalhadores da Índia, do Nepal, do Bangladesh. A população envelhecida do Alentejo não aguenta a dureza do trabalho, e os mais novos fugiram para novas paragens. O exemplo é empírico e fruto de mera observação - mas não demonstra qualquer “capital de esperança”, como não deixo de ouvir os filhos dos meus amigos, quase todos na casa dos 20 anos, darem como certo o abandono do país à procura de melhor trabalho, mais bem remunerado, longe daqui.
Vá, para um final feliz: gosto de saber que os portugueses casam mais, e divorciam-se menos. Para este dado, o casamento homossexual terá dado o seu relevante contributo - mas a ver por estudos semelhantes feitos aqui no país vizinhos, a descida dos divórcios deve-se mais à crise - ou seja, à falta de dinheiro para assumir uma vida a solo… - do que ao amor eterno. Só espero que o aumento dos casamentos, apesar de tudo, seja por amor - e não apenas por interesse na partilha das despesas. E das galinhas.