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Pedro Rolo Duarte

03
Fev17

A vida de cada um

(Ontem, na plataforma Sapo24)

Estou a ver na TV, num canal de notícias, uma curta troca de argumentos sobre a eutanásia. Estremeço. Antecipo o “amplo e profundo” debate que o Presidente Marcelo desejou há dois dias: vai dar asneira. Um dos intervenientes era mesmo o bastonário da ordem dos médicos, José Manuel Silva - e a forma como ridicularizou as opções que um doente terminal pode ter, para concluir que o mais “barato” era o suicídio, deu para perceber como podem extremar-se questões tão delicadas e sensíveis como esta, e como se pode cair lamentavelmente na demagogia e no disparate. Ora, se com a vida não se brinca, então com a morte…
Confesso: sou impotente para vir a terreiro argumentar sobre a eutanásia. Parece-me uma questão de foro tão intimo e pessoal, tão individual e tão pouco política ou sequer ética, que não consigo ver quem possa “querer” ter razão e taxativamente estar “contra” ou “a favor”. Por mais que haja quem pense que a vida não nos pertence - a quem pertencerá? Ao Estado? A Donald Trump? Aos constitucionalistas que decidiram a nossa vida? -, não consigo escapar à evidência: se cada um de nós faz da sua vida o que entende e quer, parece meridiano que a vida de cada um de nós é mesmo de cada um de nós, desculpadas as repetições e redundâncias. E assim sendo, cabe a cada indivíduo decidir o que fazer com a vida quando ela está em causa, quando não tem saída, quando já só resta sofrimento e dor. Quem sou eu para confrontar um ser igual a mim que decide, pela sua cabeça, conscientemente, antecipar o inevitável em nome de uma qualquer paz interior? Quem sou eu para dizer a 90% dos necessitados de cuidados paliativos, que os não recebem por falta de capacidade de resposta da rede, que não devem ou podem recorrer à eutanásia?
Não me passaria pela cabeça debater a eutanásia justamente por entender que ela já existe, interiormente, na opção de fim de vida de todos os seres humanos, mesmo quando não lhe têm legalmente acesso. Menos ainda referendar ou levar ao Parlamento. No limite, legislar sobre as condições essenciais - de saúde, ou falta dela - que garantissem que a decisão não serviria para abusos, desvios, fatalidades, facilidades. O mínimo indispensável.
Dito isto, parece-me que o debate vai dar disparate. Vamos ver repetir-se a dicotomia esquerda/direita, católicos/ateus, novos/velhos, numa estúpida cisão sem sentido, ditada por preconceitos e falsas premissas, e que não corresponde, seguramente, ao sentir da maioria. Enquanto nas ruas cada um pensará por si, nas televisões e nos jornais vamos ver “frentes unidas” com cargas ideológicas e religiosas, numa repetição de outros debates passados, alguns deles de infeliz memória. É mais tempo perdido, mais energia gasta desnecessariamente - enquanto se adiam, se esquecem e apagam tantos debates por fazer, tanto país por construir.

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