Apesar dos pesares, um grande jornal
A notícia da saída de Pedro J. Ramirez da direcção do diário espanhol El Mundo apanhou-me de surpresa, confesso. Para variar, soube-a pelo Facebook via André Macedo, que o considera “o melhor director de jornais dos últimos 20 anos na Peninsula Ibérica”. Não vou tão longe quanto o André, cujo texto sobre Ramirez é obrigatório (e é tanto sobre Ramirez como sobre o jornalismo que ambos defendemos), porque me lembro de Juan Luis Cebrian, mas também não esqueço Vicente Jorge Silva, Paulo Portas ou Miguel Esteves Cardoso, cada um no seu estilo. Adiante.
Ramirez não sai inocentemente do cargo: sai porque a sua direcção se tornou insustentável para a empresa dona do El Mundo na sequência do chamado caso Barcenas (corrupção forte e feia no Partido Popular, de que o jornal é assumidamente próximo. E daí…).
O El Mundo denunciou e acompanhou até às entranhas a história desencadeada pelo tesoureiro do Partido Popular e foi obviamente sofrendo as consequências de toda a espécie que o escândalo convocou. Ainda que conservador, o jornal não fugiu ao confronto com a sua própria esfera politica, numa manifestação de independência e rigor que orgulha qualquer jornalista que se preze. Pedro J. Ramirez era é desses, dos que enfrentam, confrontam, e seguem em frente - e foi assim durante 25 anos. Ficou ferido neste confronto fatal para a sua liderança, mas está vivo e bem vivo.
Mas o mais surpreendente em todo este processo é que não apenas Ramirez continuará a assinar a sua famosa carta dominical, como o jornal, na edição de hoje, lamenta em editorial a saída do director, esclarece sem meias-palavras que ela resulta do caso Barcenas e das suas ondas de choque, e dedica duas páginas e parte da primeira página à saída de Ramirez, num elogio rasgado e num lamento profundo. Mesmo admitindo que o novo director (o braço-direito de Ramirez de há muito) garante a continuação da linha editorial, o El Mundo não hesita em tratar de forma independente um processo desta delicadeza.
Só um grande jornal, só um jornal maduro, sério e inteligente, saberia encarar com dignidade, elevação e verdade uma noticia em que ele é o protagonista. Eu já gostava do El Mundo, agora tenho-lhe o maior e mais empenhado respeito. Apesar dos pesares.