Da obsessão inesperada
"- Sempre pensei que a verdade me libertaria - disse ele (Patrick) -, mas a verdade só nos enlouquece.
- Dizer a verdade pode libertar-nos.
- Pode ser. Mas o autoconhecimento por si só é inútil.
- Bem, permite-te sofrer mais lucidamente - contestou Johnny.
- Oh, sim, não queria perder isso por nada deste mundo.
- No fim de contas, talvez o único modo de aliviar a nossa infelicidade seja ficarmos cada vez mais afastados de nós mesmos e mais ligados a qualquer outra coisa - disse Johnny.
- Aconselhas-me um passatempo - riu-se Pactrick - Fazer cestos ou coser sacos de correio?
- Bem, na verdade estava a pensar numa forma de evitar essas duas ocupações em particular…
- Mas seu eu for libertado do meu estado de espirito amargo e desagradável - protestou Patrick -, o que me restaria?
- Não muita coisa - admitiu Johnny - mas pensa no que poderias colocar em seu lugar."
(De “Alguma Esperança”, Edward St Aubyn, tradução de Daniel Jonas)
É raro apaixonar-me por um autor ao ponto de devorar em modo contínuo os seus romances. Mas foi isso que sucedeu agora com a saga de Edward St Aubyn sobre a figura tão extraordinária quanto complexa e caótica de Patrick Melrose. Vou no terceiro livro, faltam-me dois. Mas as noites têm ficado mais curtas por causa desta escrita, deste escritor, e deste universo que subitamente invade a minha vida. Se isso não é um bom escritor (e bons romances), não sei o que é um bom escritor (e bons romances).