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Pedro Rolo Duarte

26
Set14

Livros, onde andam vocês?

(Crónica originalmente publicada na Lux Woman. A edição deste mês chegou esta semana quentinha às bancas...)

Um dos meus passatempos favoritos é vaguear por livrarias, de livro em livro, sem objectivo, e tantas vezes sem gastar um cêntimo. Lisboeta que sou, faço-o na minha cidade. Na Bertrand do Chiado, porque é grande e tem salas consecutivas, tematicamente organizadas; na Barata da Avenida de Roma, por ser o meu espaço de eleição quase desde a infância; na Ler Devagar, da Lx-Factory, pelo puro prazer de pairar entre livros de hoje e edições antigas, esgotadas, distantes. Como se tivesse a Feira do Livro à disposição todo o ano…
Quando se soube que Alice Munro vencera Nobel da Literatura, foi na Ler Devagar que encontrei os seus livros - e fui logo à procura, porque gosto de contos e estou farto de ouvir os editores portugueses dizerem que “livros de contos não vendem”.
Detesto lugares-comuns e ideias preconcebidas sobre livros. O que vende e o que não vende. O “que dá” e o que “não dá”. Se os nossos editores mandassem no mundo, Harry Potter não tinha visto a luz do dia…
E foi por entre estes pensamentos banais que dei comigo com esta pergunta convocada pelos momentos livres em livrarias: por que raio são só elas a escrever sobre nós?
Basta passar os 40 anos - algumas mais precoces arriscam aos 30… -, e não há quem não tenha uma teoria, uma receita, uma solução, uma análise, ou apenas uma história para contar sobre os “homens com 40 anos”.
São infiéis. São homossexuais mas ainda não saíram do armário. Deviam ter pêlos mas agora decidiram não ter pêlos. Não têm pêlos mas deviam ter. São sensíveis mas há saudades de uma boa palmada no rabo. São machistas e por isso insuportáveis.
Leio blogues, acompanho redes sociais, leio revistas e até livros de quem não teve vergonha na cara, e percebo que os temas que mexem com as relações deixaram de estar no recato do lar e chegaram de vez à praça da ribeira.
Felizmente já tenho 50 - mas calculo que ter 40 anos nos dias de hoje deva ser um caos e uma tortura: tem de se ser másculo mas sensível, sem pêlos mas com barba, ginasticado mas nem sempre musculado. E o pior não é isso - o pior é que somos todos, mais velhos e mais novos, uns cobardolas, não nos chegamos à frente e não dizemos realmente o que pensamos e sentimos.
Sofremos com as exigências, as queixas, a mania absurda da saúde, e ainda temos de levar com pessoas, como uma das minhas amigas mais expansivas, numa vaga desconfiança de que todos os homens são gays.
Neste quadro, as minhas “viagens na maionese” das livrarias têm também uma componente de estudo sociológico. O que interessa a quem compra? Que critério para esta capa, este titulo, esta chamada?
E o que vejo?
Vejo que as mulheres persistem em escrever sobre nós - OS HOMENS! -, as relações, as recomendações (e até as dietas…), os fetiches das barbas mal amanhadas. Vejo uma maioria de livros cujo titulo é em si a mensagem: “o amor pode dar certo”; “Amar até ao infinito é possível”; “Como descobrir a paixão num empregado do café da sua esquina”.
E o que não vejo?
Livros equivalentes para homens. Não vejo os tipos da minha idade a escrever sobre o que obviamente também têm a dizer. Podem ser pêlos ou operações plásticas - mas também pode ser sobre a capacidade de rir de nós próprios ou a simples evidência de cada um ter os seus inconfessaveis fetiches que-algum-dia-vamos-ter-de-contar. É o deserto que tenho pela frente: nem um livrinho decente (ou indecente…) sobre “isto” de ser homem.
Aqui chegado, falta-me o remate de crónica. Na verdade, não falta - esse remate só existirá quando um de nós se chegar à frente e escrever um livro sobre relações aos 30, aos 40, aos 50, sobre relações onde somos de novo filhos, ou de novo pais, ou de novo qualquer coisa que não imaginaríamos ser. A ver pelas edições, só há novas mães, novas amantes, novas mulheres.
Nós, népia. Não existimos. Não contamos para o campeonato. Não riscamos. O pior é que, às tantas, é verdade. Vou pensar melhor.

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