Meditar
Sempre que tentei meditar, ao longo destes quase completos 49 anos, adormeci. E gostei de dormir - gosto sempre -, mas não gostei de acordar e perceber que tinha falhado o objectivo. Explicaram-me que o problema era meu, que não sabia meditar. Havia uma técnica. E talvez fosse bom começar por fazer uma experiência em grupo, com uma espécie de “guia meditativo” a orientar a coisa - tanto mais que os sinais exteriores de ansiedade que normalmente exibo aconselhariam uma aproximação suave à pista.
Recusar um desafio não faz parte do meu código de conduta.
E dei comigo, um destes dias, descalço, deitado num colchão fininho, com uma manta azul turquesa a tapar-me, numa sala cheia de pessoas de todos os tipos - mais novos, mais velhos, homens e mulheres, raças diversas -, exactamente nas mesmas circunstancias, à espera do tal guia.
Era “meditação à hora do almoço”: num primeiro andar, ali ao Saldanha, 50 minutos para sair daqui, da realidadezinha, e aterrar noutra dimensão. A primeira meditação é experimental - logo, gratuita. Isso agradou-me e inspirou-me.
O pior veio depois: a voz do guia começou a pedir-nos coisas. Que nos libertássemos de pensamentos esquisitos, que nos entregássemos ao agora. Tentei. A sério. Só que “o agora” era uma obra no prédio ao lado. E o ruído da minha barriga a dar horas. E o telefone que vibrava mesmo não tocando. E o pensamento recorrente sobre o potencial cheiro (inexistente, é um facto) de tanta gente descalça numa sala fechada. Não estava a conseguir meditar.
Procurei seguir o mestre naquele abandono dos pensamentos ruminantes - não foi assim que ele disse, mas foi assim que eu senti - e tentei deixar-me ir pelas suas palavras, ditas de forma vagarosa, monótona, anestesiante.
A coisa começou a dar-se: segundo a amiga que me levou, a Patricia, terei começado a ressonar ao minuto 32, continuando para bingo até ao minuto 40, momento em que o meu ronco me acordou e, envergonhado, fiquei com a pulsação acelerada e já não meditei mais coisa nenhuma. Quando aquilo acabou, havia pelo menos duas pessoas a olhar para mim com ar de compaixão, e eu fiz de olhos baixos o que todos fizeram alegremente: dobrei a manta, arrumei o colchão, e fui buscar os meus sapatos.
Já na rua, apeteceu-me sentir paz e conforto e algo que desse sentido à vida. Pronto: arrumei 3 croquetes e duas imperiais na Versailles, um café a rematar. Quando voltei à rua, estava reconciliado e em paz. Se calhar tinha, por fim, meditado.