Miudagem à solta
Quanto era adolescente, o meu pai entrava no meu quarto por um de dois motivos: para reclamar a máquina de escrever que lhe tinha subtraído para fazer os meus “jornais caseiros”, ou para dar um grito e jurar que nunca mais entraria no quarto enquanto não o arrumasse, arejasse, e garantisse que desaparecia aquilo a que chamava de “pivete” (soma de cigarros fumados, garrafas de cerveja vazias, e hormonas aos saltos, se me faço entender…).
Nesses momentos, com receio de retaliações com maior impacto no dia a dia, eu arrumava o quarto obedecendo ao seguinte “programa de assistência preguiçosa”:
- Cinzeiros limpos e passados por água
- Roupa suja atirada para debaixo da cama
- Papeis em pilhas junto à mesa de trabalho
- Garrafas vazias no lixo
- Porta da varanda aberta durante uma tarde inteira
- Umas folhas de eucalipto (que a minha mãe apanhava no Penedo e deixava secar) queimadas num defumador que deixava um cheiro bom e saudável no quarto
O programa normalmente dava certo - ainda que geralmente resultasse num segundo assalto: o momento em que eu reclamava pela falta de roupa lavada e lá se descobria que estava toda debaixo da cama, por lavar e engomar.
Voltava a levar na cabeça, claro, mas sempre podia dizer "siga!" sem receio de maiores problemas.
E era isto porquê?
Bom, era isto para dizer que este Governo, e a sua relação com a troika e os credores, me lembra a minha adolescência mais que patética. Atira o Carnaval para debaixo da cama, como se não existisse mais, maquilha as contas públicas para manter, na essência, o mesmo quadro de miséria de despesismo publico e contratações amiguistas, e brinca com a governação como se não houvesse amanhã.
O problema é que vai haver amanhã. E vai doer.
Na minha adolescência, era comigo e com os meus pais. Agora, é com eles e connosco. É com todos.