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Pedro Rolo Duarte

24
Ago15

Mudar

(Crónica originalmente publicada na revista Lux Woman. A deste mês já está à venda...)

Eu percebo: é Verão, está na praia, ou debaixo do pinheiro, e tudo o que não quer é algo que incomode, que faça pensar, que abale este ligeiro sopro de felicidade. Vou ajudar. Vou contar a história da minha ultima experiência radiofónica. Começou por ser um projecto inspirado nas histórias de filhos de amigos que fizeram o chamado “gap year”, uma moda das últimas décadas. Trata-se daquele ano - entre o Liceu e a Universidade, ou entre a Universidade e a entrada no mercado de trabalho - em que a miudagem vai daqui para fora em viagens de voluntariado, ou descoberta, ou apenas reconhecimento de que o mundo é maior do que o rectângulo onde vivemos. Nalguns casos por gosto e interesse, noutros casos claramente para enriquecer o currículo: é diferente apresentar numa empresa um papel a dizer que somos engenheiros ou outro que diga que somos engenheiros mas, além disso, fizemos voluntariado no Kénia e trabalhámos no “Nando’s” a virar frangos na África do Sul. A motivação pouco importa: eles foram. E foi a pensar nestes casos que inventei e propus o “Mais Novos que Nunca”, felizmente bem acolhido na Antena 1 e 3 da rádio pública. O problema foi que rapidamente percebi que esta ideia - “mais novos que nunca” - e este conceito - de, nem que seja por um tempo, viver “fora da caixa”-, não tinha nada a ver com a idade. Porque a idade, claro, está na cabeça. E confrontei-me com gente que mudou de vida aos 20, aos 30, aos 40. Gente que fez do “Gap Year” a vida de todos os dias. Gente que reagiu às imagens na TV de um terramoto e deixou tudo para trás partindo em missões de voluntariado. Ou seja: o “Gap Year” resulta mais da vontade de mudar do que da necessidade de fazer curriculo, e isso muda tudo! Em poucas semanas, o programa transformou-se numa rede - há sempre quem conhece alguém que… - e debaixo de cada pedra da calçada há uma história de amor nascida numa favela do Rio de Janeiro, ou uma nova vida nos subúrbios de uma cidade africana, ou apenas um novo negócio nascido dos escombros de um fracasso amoroso. O “Mais Novos que Nunca” é hoje um centro de segundas vidas, de renascimentos, sem idade nem padrão, apenas com a certeza de que é possível recomeçar em qualquer momento da vida, sem ter que fazer depoimentos religiosos nem abraçar árvores. Basta querer. Aqui há dias estive na abertura de uma loja para a qual tinha sido contratado, no serviço de catering, um casal que trocara a moda (ela, brasileira) e a engenharia fotovoltaíca (ele, italiano), por umas deliciosas focaccias, feitas numa carrinha de rua, cujas receitas pertencem à avó dele. Reconheci-os de imediato. Já os tinha entrevistado, já tinha percebido que começaram por ser um casal e hoje eram apenas sócios, mas fiquei com aquele bichinho curioso de os ver trabalhar. E vi. E vi, na alegria e no cansaço, no excelente serviço e na dedicação, no sorriso de ambos mesmo quando era claro o desacordo, que é possível mudar. Que é possível recomeçar. Percebi então que esta moda do “gap year” não é mais do que antecipação do futuro - porque vamos, cada vez mais, ser desafiados a recomeçar várias vezes ao longo da vida. E isso não é mau - isso é viver com intensidade, paixão, desafio. Fiquei animado. Não sei se isto pode querer dizer qualquer coisa - mas há tanta coisa que ainda gostava de fazer nesta vida que observar o ex-casal das focaccias foi como uma revelação e uma antecipação. Uma espécie de esperança e pontapé no rabo. Como quem grita: “mexe-te, Pedro!”.

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