Nem muro nem vedação
(Crónica publicada hoje aqui, no excelente Sapo24)
Sinceramente, a crise política que vivemos interessa-me pouco. Não porque ela não vá ter peso e influência na vida de todos nós - oh se vai… -, mas porque me irrita ouvir as mesmas palavras em bocas diferentes, os mesmos argumentos em sentidos contrários. A repetição aborrece e cansa-me. Já ouvi deputados do PS dizerem há anos o mesmo que ouvi há bocado da boca de deputados do PSD. E o contrário. Incomoda-me, a sério. E o confronto de terça-feira foi mais do mesmo, com cobranças que foram até aos tempos de Manuel Monteiro no CDS…
Na verdade, não espero muito do CDS, do PSD, do PS - já sei que hoje dizem o contrário de amanhã, que quando chegam ao Governo se “surpreendem” com quadros mais negros do que esperavam, e que este debate sobre quem deve governar ainda vai, daqui a uns anos, servir o PSD para lembrar ao PS que em 2015 também blá-blá-blá…
Agora… No meio da balbúrdia, há coisas sérias. A esquerda, especialmente o PCP, vestiu em Portugal, durante 40 anos, o fato completo da virtude e da coerência (mesmo quando ser coerente era negar as evidências, e basta recordar o bloco de leste, o muro de Berlim, e Cunhal que preferiu não ver o óbvio e persistir em ouvir amanhãs que cantavam). O Bloco de Esquerda foi menos taxativo, mas ainda assim não deixou de surfar a onda da coerência. As esquerdas, em geral, foram donas e senhoras da seriedade, da coerência, da manutenção de um rumo e de um ideia, mesmo que mitificada. Toda a gente reconhecia. A palavra de honra era a sua coutada, e a coerência o seu monopólio.
Esta semana, o mito caiu e o animal mostrou os dentes: o mesmo PCP que queria sair do euro assina sabe-se lá o quê com o PS - mas que não prevê a saída do euro. O mesmo euro sobre o qual Catarina Martins decretava há um ano: “Nem mais um sacrifício pelo euro. Quanto um país tem de escolher entre ser um Estado viável ou o euro, deve escolher ser um Estado viável”. Dou de barato a discussão da TSU, dos impostos, da divida, do orçamento e até da composição do futuro Governo. Fico-me por aqui.
A partir de hoje, para o bem ou para o mal, deixem de dizer que, apesar de tudo, o PCP é coerente. Ou o Bloco. Não. Esqueçam. Arrumaram-se definitivamente na prateleira do PS, do PSD e do CDS. Começa a ser válida a velha frase popular: “são todos iguais”!
Não sobra nada. Nem uma vedação, quanto mais um muro.