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Pedro Rolo Duarte

29
Abr14

O milagre das segundas-feiras


Todas as semanas, à segunda-feira, dia em que a noite é mesmo noite e quase tudo está fechado, ou adormecido, dá-se um milagre na rua cor de rosa do Cais do Sodré, em Lisboa.
Pela mão de três apaixonados pela poesia - José Anjos, Alex Cortez, Nuno Miguel Guedes -, a partir das dez da noite começa a juntar-se gente no bar “O Povo”. São pessoas que, de livre vontade, saem de casa numa noite de segunda-feira, muitas vezes com frio e chuva, e vão ali para concretizar o milagre: ouvir poesia. Entre um copo e dois dedos de conversa, ouvem poesia dita por convidados que, apenas pelo prazer de ler e partilhar, aceitam passar a noite de segunda-feira naquele espaço.
Todas as semanas um tema, convidados diferentes, de todos os “ramos”, para todos os gostos. Já por lá passaram vozes tão diferentes quanto as de André Gago e Edson Athayde, Odete Santos e Sandra Celas, Manuel João Vieira e Francisco José Viegas, não falando nos promotores do milagre, que muitas vezes assumem as rédeas do microfone.
Ouve-se poesia antiga, moderna, clássica - ouvem-se nomes incontornáveis, como Pessoa e O’Neill, ou inesperados, como Alberto Pimenta e Assis Pacheco, mas também há espaço para os convidados lerem os seus próprios poemas, e tudo isto é acompanhado por músicos que sublinham, apontam, ilustram as palavras ditas.
Melhor seria difícil. Mas o milagre que ocorre n’O Povo não é a noite em si, que seria sempre de elogiar - é o facto de todas as segundas-feiras aquele espaço encher e muita vezes transbordar. Gente que quer ouvir, que se candidata a ler, que se junta à volta de palavras e mais palavras.
Ontem, uma vez mais, foi assim, sob o mote da “Poesia e Censura”. Gostei da escolha da Joana Amaral Dias, ri-me com a poesia dita por Rui Zink, gostei de ouvir (mais uma vez) o André Gago e o José Anjos. O ambiente era de festa suave, como pede uma segunda-feira, como puxa a poesia. Quando saí d’O Povo, estava reconfortado e reencontrado comigo próprio.
Num país deprimido e triste, onde parece nada acontecer, e só ter sucesso o mínimo denominador comum, o milagres das segundas-feiras d’O Povo é o sinal mais animador da cidade e uma espécie de prova de vida regular da nossa existência. Segunda que vem, eu volto.

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