O pior e o melhor
Nunca me esqueci de uma cena ternurenta que vi, algures nos anos 90, num filme com a Julia Roberts Michelle Pfeiffer - cujo titulo, para variar, me não lembro.. - em que o casal protagonista, pai de dois filhos, tinha o excelente hábito de perguntar todos os dias, ao jantar, a todos os presentes na mesa, o melhor e pior do dia que terminava.
Adoptei esse principio em casa, mas o caos da vida emocional nunca me deixou ser consistente no projecto. Felizmente, tenho amigas e amigos que seguiram o preceito, que é excelente para aferir vitórias e derrotas, falhas e acertos, nesta vida curta em que nunca sabemos rigorosamente como viver e “dar certo” - e tenho a convicção de que dali se tiram boas lições, ensinamentos, pistas.
Não é segredo para ninguém: fiz na sexta-feira 50 anos e decidi juntar muita gente numa festa. Convidei os meus melhores amigos e amigas (felizmente, tenho um numero generoso, certamente maior do que mereço); pessoas que passaram pela minha vida, de quem gostei, fiquei a gostar, ou me liguei para a vida; e pessoas que, por circunstancias profissionais ou pessoais, encontrei, gostei, e fiquei sempre próximo, mesmo que não íntimo. Tenho uma amiga que costuma dizer, a brincar, “eu não sou oferecida, sou garantida” - pois bem, assim me sinto em relação a algumas pessoas com quem, mesmo sem estar ligado diariamente, me sinto “garantido”. Nesta lista de aniversário redondo, seguramente me esqueci de algumas pessoas, e vou martirizar-me por isso quando me confrontar com esses falhanços…
Adiante.
A confusão, no bar do meu amigo Hernâni, foi geral (ainda bem..), e acabei por passar a noite - qual noivo solitário, sem noiva que me revezasse - a cumprimentar, abraçar, beijar, despedir, de todos os que me deram o privilégio da sua presença. Dancei 10 minutos e bebi metade do que beberia numa noite normal.
Mas no fim, quando cheguei a casa e fui baixar a adrenalina na varanda de onde vejo nascer o sol (quando as noites para aí caminham, raras, e esta foi uma delas…), apeteceu-me voltar, como no filme, ao melhor e ao pior deste dia de fortes emoções.
E o pior foi stressar excessivamente, porque desejei que todos se sentissem bem - e era tão óbvio que isso iria acontecer que foram cabelos brancos gratuitos e desnecessários… (Obrigado João Gobern, cuja musica, para variar, arrasou, fez delirar e deixou em transe quem decidiu dançar…). Ou seja: correu bem (obrigado, outra vez, compadre, obrigado Hernâni!).
O melhor foi conseguir juntar um grupo tão alargado, diverso, realmente próximo, de pessoas de quem gosto e que de mim gostam. Sem cobranças, apenas “porque sim”. É tão bom abraçar ou beijar uma pessoa de quem gostamos mesmo…
Tive os meus amigos e amigas mais próximos, o “nucleo duro”, mas também tive os amigos que “eu-sei-que-estão-lá-quando-é-preciso-e-nunca-falham”, ainda que pareçam mais distantes; e os amigos mais antigos, do tempo do liceu, ou da politica juvenil, ou da TV; e os amigos que só nós sabemos, porque a vida nem sempre permite que sejamos 24 sobre 24 horas, mas nós sabemos que mesmo assim somos…; e os conhecidos que, por afinidade e projectos comuns, sinto como amigos, mesmo sabendo que são bons velhos conhecidos para quem, lá está, sou “garantido”. E até tive os amigos que não puderam estar e sei porquê. Eu sempre fui assim: entre amigos, nada se cobra.
Resultado: gostei de entrar nos 50 anos e ter à minha volta as pessoas de quem gosto a dançar (de novo, graças ao rigor e bom gosto do meu parceiro, sócio, compadre, amigo, João), a rir, a beber, a conversar. Viver é isso e estou mesmo muito grato a todos os que puderam vir, e aos que quiseram vir, mesmo não podendo.
Troquei presentes por doações à Coração com Coroa, fundada pela minha amiga eterna Catarina, e deixou-me feliz saber que houve quem alinhasse na ideia.
Entrei bem nos 50 e vocês comigo. Há melhor? Não. Não há.
Obrigado do fundo do coração. A todos.
O pior que pode acontecer é tomar-lhe o gosto e fazer festas todos os anos, depois de tantos anos sem festa alguma. Se assim for, fica escrito: a culpa é vossa.