O voto, oito dias mais tarde...
(Crónica publicada quinta passada, no excelente Sapo24. Já assinaram?)
Sempre que há eleições, tenho a mesma sensação: os líderes partidários falam do voto de cada um de nós como se tivéssemos combinado uns com os outros…
Eles dizem (digo “eles”, porque efectivamente são todos eles…) que “os portugueses foram claros em manifestar” isto ou aquilo, uma clara maioria, ou uma maioria escura (talvez apenas menos clara…), um voto de confiança ou um voto de desconfiança, e parece que o resultado final saiu de uma magna reunião de eleitores.
Não consigo vislumbrar onde raio foram buscar esta ideia. Uma coisa é a democracia ter, entre outras formas de manifestação, o voto que elege ou destitui aqueles que nos governam - outra, bem diferente, é procurar tirar ilações de votos que, somados, dão ou retiram maiorias, mas que evidentemente resultam de escolhas absolutamente divergentes. E individuais.
Domingo passado, houve muitos eleitores no PS que votaram apenas contra o PSD/CDS; como houve votos convictos de militantes e simpatizantes; como houve votos úteis de uma esquerda que nunca se une. Da mesma forma, houve votos na coligação que defenderam simplesmente a continuidade; outros terão resultado da convicção e da militância. Houve votos em branco porque sim, ou porque não. Houve votos no Bloco contra a CDU, ou contra o PS.
O que não houve, de certeza, foi essa ideia peregrina dos “portugueses” como um todo. Os “portugueses” não reúnem nem conspiram - vivem como podem, fogem ao fisco como podem, defendem-se como podem, e votam (ou não…) em função de argumentos tão diferentes quanto a militância, a paixão, o desdém, a vingança, a esperança, e sei lá mais quantos valores e princípios e conceitos (até mesmo preconceitos…) que lhes passam pela cabeça.
Nos últimos meses, o meu sentido de voto mudou três vezes. Foi influenciado por sondagens, discursos, tiros nos pés e até mesmo pelo voto que o meu filho me anunciou previamente. De uma coisa estou certo: não me sinto parte dos “portugueses” que deram um voto de confiança, mas não absoluta; ou contra a austeridade, mas repartido pelas diferentes oposições.
O voto foi individual, particular, único. Cada um por si. Esta mania de interpretar colectivamente o que é individual constitui um dos mais irritantes defeitos da análise política. É fácil e simplista, aceito. Mas não deixa de ser absurda. Não apenas por ser uma ideia falsa - mas por presumir, uma vez mais, que vivemos em rebanho e assim andamos, ao Deus dará, atrás deste ou daquele. Lembra-me um homem de bigode que andou por aí nos anos 40 do século passado a dar cabo da vida de milhões de pessoas - e nem que fosse apenas por isso, não gosto nem quero.
Domingo passado foi assim: um voto, uma pessoa, uma intenção. E deu no que deu. Agora é ver no que vai dar. E aguentar.