Porco pouco doce (ou o ensaio de um projecto de contos que pode nascer um dia destes...)
Quando ela lhe disse que sim, que aceitava o convite para jantar em sua casa, depois de uma longa noite de conversa e sedução no bar que os tinha aproximado, ele percebeu que tinha nas mãos – e no fogão... – um problema. O menu da sua existência, aos 25 anos, era demasiado curto para aquele mulherão de 30, mais de um metro e oitenta, um andar poderoso, que não oferece dúvidas, e acima de tudo uma maneira de estar que nada nem ninguém encavacava.
Não queria tropeçar no óbvio dos bifes, que qualquer homem faria, mas também não podia atirar-se para fora de pé com um pargo no forno ou algo muito trabalhado. Na dúvida – e sem saber que estava a optar pela receita certa nos jantares dos partidos em campanha eleitoral –, pensou numa carne assada no forno. Talvez um bom lombo de porco, a que juntaria batata corada e talvez um puré de maçã. Já o tinha visto fazer, em três tempos, em casa do seu irmão, um expert a impressionar raparigas com pratos delicados e elegantes. Uma salada comporia a mesa, a entrada podia ser improvisada com camarão cozido e uma maionese, e a sobremesa deixava nas mãos do infalível Frutalmeidas e do seu bolo de morango. Assunto arrumado.
Naquela segunda-feira, o dia estava reservado para a operação “conquista do castelo”, como gostava de lhe chamar. Odiava a pressa, o stress, a possibilidade de falhar pelas razões erradas – e por isso começou a empreitada cedo, encomendando e recolhendo o bolo, garantindo a maionese fresca, cozendo o camarão de moçambique, tamanho médio, para não dar demasiado trabalho nem sofrer de sensaboria, tratando do puré de maçã (fácil de fazer: maçã reineita descascada e partida em bocados, ao lume, com vinho do Porto, canela, um pouco de açucar e um tudo-nada de paciência a mexer a mistura...).
À tarde, depois de temperar a carne com vinho branco (sabiamente misturado com uma colher de sopa de vinagre), pimentão doce, um nada de alecrim, uma colher de café de cominhos, alho, louro, sal e pimenta, ligou o forno a baixa temperatura, deixou cozinhar durante quase uma hora, e só quando o aroma da carne lhe pareceu ajustado, subiu a temperatura para assar a carne e lhe garantir a capa dourada. Ao mesmo tempo, em poucos minutos, a maçã desfazia-se no preparado prévio e até teve de lhe acrescentar meio copo de água para aguentar a textura.
Ao fim de quase duas horas, abriu o forno e pareceu-lhe que tinha ali uma peça perfeita, a que só faltavam as batatas vagamente cozidas, que acabariam por assar naquele preparado, em sua original casca.
Acabou de misturar a salada, abriu o vinho do Douro, compôs os camarões em copos de pé alto, decorados com alface, tomate cherry, cenoura em palitos, rúcula e uns toques de maionese.
A campainha tocou, e ele ligou o I-Pod na lista “Primavera doce”, que já ouvira dezenas de vezes, sempre com sucesso.
Ela entrou com uma garrafa de champanhe gelado, apetitoso, e de acordo com todo o ambiente. Ele foi buscar duas flutes, e brindaram ao encontro, tão vagamente imprevisto como desejado. Ela elogiou o incenso de sândalo que ele tinha posto a queimar – e aproveitou a deixa para dizer, docemente mas assertiva:
- Só espero que o jantar não tenha porco. Sou alérgica e confesso que seria incapaz de me relacionar com quem come um animal tão querido...