Revista à portuguesa
(A crónica de ontem, no Sapo24)
O que parece mais interessante no momento político nacional - e até, quem sabe, objecto de estudo para o futuro - é o facto dos protagonistas, sem excepção, protagonizarem uma qualquer personagem, interpretarem um papel, e ficcionarem a realidade como se efectivamente vivessem nesse inexistente mundo.
Sabem que falam de uma realidade que não existe, mas fazem de conta com razoável sabedoria. Se trabalhasse num departamento de ficção de uma televisão ou produtora, estava em cima do fenómeno - de Passos a Jerónimo, temos ali um painel de actores que vale a pena avaliar…
No passado isso era comum com os partidos derrotados - que se declaravam “vencedores”… -, com os clubes que não ganhavam o campeonato - e despejavam nos media a conversa habitual sobre os árbitros, a corrupção no futebol e o papel da Federação Portuguesa de Futebol - e com os desgraçados que não eram apurados para o Festival da Canção. Agora, o fenómeno domina a política.
O partido que perdeu acha que ganhou e faz por isso. O partido/coligação que ganhou (sabendo que foi uma vitória “poucochinha”…) vai governar, mesmo reconhecendo que não faz nada sozinho, o que é o mesmo que dizer que perdeu mas faz de conta que ganhou. Os partidos pequeninos gritam vitória como crianças no pátio da escola. Não ganharam nada. E depois há o Presidente, que esperávamos que estivesse acima disto tudo, mas alinha na brincadeira. Sabendo que está apenas a adiar um problema criado pelos números (de que tanto gosta, ironicamente…).
Resultado: como numa peça, assistimos à representação até ao fim. Sabemos que é ficção, e que daqui a pouco vamos novamente estar entre a parede e o abismo, votando para um qualquer mal menor. Nada de muito novo. Como espectadores passivos do espectáculo, mantemo-nos quietos. A ver no que dá.
O que mais impressão me faz é ver esse tal de Cavaco Silva interpretar o papel que não estava no guião original da peça: ser juiz num julgamento para o qual não foi chamado; dar palpites no lugar onde só se lhe pede arbitragem; e indicar caminhos, quando lhe pagamos para gerir semáforos.
Por mim, mais voto menos voto, dá igual: já percebi que a política é um teatro. De sombras e luzes. Confesso que só não esperava um Presidente a quem cabia o lugar, no limite, de “compére" (o actor que vai dando as deixas para o actor principal brilhar na revista…), mas a quem apetece ser primeira figura.
Está tudo trocado. Mas também é verdade que a revista à portuguesa só resta mesmo na política. Às tantas, trata-se de uma homenagem. Manhosa. Não podia Cavaco ficar-se por uma comenda ao Parque Mayer?
(Editada depois de corrigida pela leitora Manuela. Menos uma cedilha, com certeza!)