Um olhar
Um dos dramas e deslumbres e maravilhas da mente humana é ser, por mais que a queiram formatar, individual. Cada pessoa tem a sua. O mais semelhante dos nossos semelhantes é diferente de nós. A alma gémea não é gémea senão na aparência.
Ainda assim, não conseguimos deixar de estabelecer paralelos entre situações idênticas, mesmo que vividas por pessoas diferentes.
A minha mãe tem 83 anos e perdeu um filho há oito. Assisti e vivi tudo por dentro, claro. E jamais esquecerei o olhar da minha mãe - que não sei adjectivar nem classificar -, na véspera do enterro do meu irmão. Algures entre o desaparecido e o perdido, sem rumo e sem sentido, parado num tempo que nunca existiu, foi um olhar que me marcou de tal maneira que tenho a certeza de que foi responsável por uma das mais profundas mudanças que senti na vida e me trouxe até aos dias de hoje.
Oito anos passados, não consigo que esse olhar me abandone desde que tomei conhecimento do que está a viver a Judite de Sousa. Amiga, cúmplice de passados comuns, e uma mãe absolutamente dedicada. Só quem a conhece sabe a mãe que era. Mesmo quem a conhece não pode sonhar o que sente e sofre neste momento.
Não me larga esse olhar da minha mãe há oito anos - e o que aprendi com ele. E agora sinto, mesmo não podendo sentir o que a Judite sente. Talvez apenas consiga adivinhar o seu olhar.